O imperador sem estátua

17/10/2018 às 20:31.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:18

Jornalista, advogado e escritor, a quem se devem importantes colaborações que valorizam os intelectuais deste país, lançou recentemente Rogério Faria Torres, da Academia Mineira de Letras, mais um trabalho precioso. É “Contribuições para a História do IHGB”, contendo entrevistas concedidas a ele por sócios do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a Casa da Memória Nacional, como o historiador Pedro Calmon a denominou.

São praticamente 700 páginas com depoimentos de significativo valor para quem se interessa profundamente sobre fatos e personagens do Brasil. A primeira entrevista é do professor Affonso Celso Vilela de Carvalho, arquivado em vídeo existente na biblioteca do IHGB, no Rio de Janeiro. 

Ele conta sua vida desde criança e uma passagem por colégio interno em Varginha, onde assistia, diariamente, à missa das 6h, com todos os alunos obrigados a acompanhar a cerimônia em latim. Fez curso de história na hoje Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), graças ao que se tornou professor federal na Marinha, dando aulas de estratégia e tática no combate no mar. No Museu Histórico Nacional fez a faculdade mais importante de sua vida, como confessa.

Aconteceram fatos que muito o impressionaram. Ficou sabendo que o general Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, Visconde de Santa Tereza, terminada a Guerra do Paraguai, assumiu a direção da Escola Militar, na Praia Vermelha. Teve, então, a iniciativa de fundar um curso primário para garotos do país vizinho, prisioneiros de guerra. Eram 160 jovens, de 12 a 18 anos, tudo sob a melhor organização e disciplina. 

Na formatura esteve presente Dom Pedro II e eles se apresentavam fardadinhos e a cada um deu uma medalha. Terminado o conflito, quase todos voltaram à pátria, com exceção de um que preferiu permanecer no Brasil, constituiu família em Itu e por lá ficou. Affonso Celso considera que o episódio serviu para demonstrar como o Brasil tratou seus prisioneiros de guerra.

Outro registro envolve o imperador. Em 1865, “Dom Pedro II pediu ao governo licença para acompanhar as tropas que iriam sair do Rio de Janeiro para socorrer o Rio Grande do Sul, cujo sudoeste tinha sido ocupado por forças do Paraguai e haviam ocupado a região de Corrientes, no norte da Argentina”. O governo negou, justificando o perigo da travessia de Porto Alegre ao Uruguai. Ele respondeu: “Os senhores poderão proibir-me de ir como imperador do Brasil, mas não poderão proibir-me de renunciar ao trono e marchar como voluntário da pátria”.

Não sobrou alternativa. Pedro II partiu para o campo de luta, acompanhado pelo Conde D’Eu e pelo Duque de Saxe, marido da segunda filha da Dona Leopoldina. Fez questão de apresentar-se fardado na condição de coronel de voluntários, com um emblema no braço escrito “Voluntário da Pátria”. No Museu Histórico Nacional – o que há pouco pegou fogo – existia uma capa que Pedro II usou em Uruguaiana e com a qual cobrira o corpo de um soldado ferido, que estava na chuva esperando atendimento em hospital.

Aconteceu, então, outro momento inesquecível. Durante o conflito, germinou a ideia de construir-se um monumento ao imperador Pedro II, usando fardamento de voluntário. Fez-se uma subscrição pública, mas o imperador não permitiu a homenagem. Disse: “O Brasil, no momento, não está precisando de estátua, mas de escolas públicas”. Foi o que se fez: construíram-se três escolas, uma das quais ainda existente ao largo do Machado (RJ) e outra no Colégio Pedro II, São Cristóvão, que permanecem. Uma terceira foi demolida. Pelo que se vê, há muito a saber e aprender nas Contribuições ora publicadas.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por