Por quem os sinos dobram

15/05/2017 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:32

A frase se celebrizou e Hemingway a transformou em título para um dos seus mais belos – e densos – romances. “Por quem os sinos dobram”, levado ao cinema com sucesso. Mas, o escritor Emanuel Medeiros Vieira, nascido em Santa Catarina e residente em Salvador, explica: a frase teve berço em versos de John Donne.

Ouvindo sempre “Hallelujah”, de Leonardo Cohen, ele dedica os três versos às crianças da Síria: “nenhum homem é uma ilha isolada(...)/ por isso não perguntes por quem os /sinos dobram: eles dobram por ti”. 

A afirmação não se perdeu no tempo, como uma infinidade de outras. Antigório, John Donne nasceu em1572 e faleceu em 1631, séculos decorreram, mas os homens continuam matando homens, não bastam aves e pássaros.

Para o autor catarinense, “é a lógica da guerra, é a essência do poder: é justo matar os inimigos. É injusto matar os nossos. É claro: não há mais tempo pra ingenuidades. A estrutura que domina o mundo é poder, dinheiro, tráfico de armas etc. E com a ascensão de grupos fundamentalistas, da extrema-direita, do terrorismo em todo o mundo, essa perversa lógica mercadológica vai prevalecer”.

Emanuel pergunta e nós fazemos coro: “Como continuar? Apenas palavras. Eu sei somente palavras. Ma é o que me resta”. E elas não são senão o que o dicionário registra. “O velho Shakespeare, que faleceu há quatrocentos anos e quase mais um, reclamava da sua desimportância no meio de uma sociedade que quer apenas e quase sempre o poder: palavras, palavras, palavras, repetia Hamlet”.

No raciocínio de Medeiros Viana, a barbárie e a crueldade extrema, que são o uso de armas químicas, não são fatos novos na história do mundo. Eu sei, é a institucionalização da barbárie.

Sem concordar inteiramente com o escritor, que julga “a ONU um fantoche dos interesses imperialistas – de que lado for”, inclino-me à evidência: a organização não consegue vencer a crueldade que existe. Esta parece intrínseca ao homem, que não aprendeu a sentir os males horríveis que dissemina em torno de si e para sempre. 

É profundamente triste tecer estas considerações em maio, mês das noivas, do Dia das Mães, das celebrações cristãs nas igrejas e capelinhas do interior brasileiro, em que as meninas, vestidas de belos trajes brancos, cantam à Virgem que gerou Jesus.

Enquanto acontecem aqui cerimônias tão simples e belas, o mundo se engalfinha em graves embates que deixam milhões de mortos, estigmatizados, órfãos, deserdados, multidões que buscavam salvar-se em outros pedaços do planeta, perdendo a vida nas fronteiras oceânicas, ou cercadas de arame farpado ou muros. 

Não se permite que o homem procure o caminho do bem-viver, da felicidade. As nações que detêm poder não medem a sua própria indiferença em causas de males irremediáveis. Os americanos foram perversos em muitas partes do mundo, inclusive com uso do napalm no Vietnã para destruir aldeias, eliminado civis inocentes, embora outros povos o fizeram antes e ainda fazem.

Repito Emanuel: “Por quem os sinos dobram?” Dobram pelos refugiados – que a extrema-direita mundial coloca como o primeiro inimigo. Só falta os fascistas proclamarem: “mate os seus vizinhos”. 

Por quem os sinos dobram? Dobram por todas as crianças do mundo, abandonadas, órfãs, perdidas nos oceanos, ignoradas pelo mundo. Dobram pelos humanistas “o uso de armas químicas é proibido pela Convenção de Genebra desde 1925. Mas qual nação liga para dar convenções?”. 

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