Sob o afago materno

07/02/2017 às 19:15.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:45

Humberto Werneck, uma das mais altas expressões de nossas letras, está fazendo pesquisas para produzir uma biografia de Drummond, a convite de uma grande editora. Não sei se cometo uma imprudência ao registrar o fato, embora ele não tenha pedido silêncio a respeito. 

Recolho alguns dados: mineira itabirana, Julieta Augusta, mãe de Carlos Drummond de Andrade, se casou com o fazendeiro Carlos de Paula Andrade e com ele teve quatorze filhos, entre os quais o poeta. Com a morte do marido em 1931, sempre sofrendo de alguma doença, ela se instalou em um apartamento do Hospital São Lucas, em Belo Horizonte, inaugurado por Hugo Werneck em 1922. No estabelecimento da rua Ceará com Francisco Sales, que ocupa toda a quadra, ela recebia a visita da família e de Drummond, quando este vinha à capital.

Em entrevista à filha Maria Julieta, que herdara da avó materna o segundo nome, o próprio Drummond confessou: “Minha mãe era um veludo, um leito adamascado em que me reclinava – tão doce que nem me ocupava muito o espírito”.

O biógrafo informa que Drummond vinha do Rio três vezes ao ano para estar com a mãe naquele apartamento. “A grande data era 10 de maio, quando o poeta de Itabira passava todo o dia com a mãe”. Nesses encontros, contam alguns netos de Julieta Augusta, ele costumava ficar com a cabeça encostada longamente no colo ou no ombro da mãe, e a ouvia discorrer, branda, etérea, um pouco absurda, sobre as pessoas do seu tempo em Itabira, a família, o mundo e sobre as convicções morais dela. Conselhos como “perdoa os erros, filhos do pouco saber”, que tinham não um tom pedante, sabichão e empolado, mas eram como um princípio a ser repetido brandamente e até o fim”.

Esse apego de filho e mãe era notório. Na casa da rua Joaquim Nabuco 81, em Copacabana, Rio de Janeiro, onde morou até 1962, os envelopes com a bela caligrafia materna chegavam com regularidade até a morte da genitora, em 1948, já em Itabira, como conta Humberto no seu novo livro. 

Aliás, o escritor José Maria Cançado revela que o filho Carlos lamentou: “Fosse eu Rei do Mundo baixava uma lei: Mãe não morre nunca”. José Maria atribui a distinção da hospedagem de Julieta Augusta no São Lucas a José Maria Alkmim, deputado federal, antigo colega de Juscelino (na Imprensa Oficial e ex-médico na Santa Casa). Foi, ainda, o primeiro diretor da Penitenciária Agrícola de Neves, ministro da Fazenda de JK e provedor da instituição filantrópica belo-horizontina durante 37 anos. 

Humberto Werneck dirá, em seu livro, que – se as cartas da mãe não trazem opiniões ou revelações surpreendentes - seu legado se tornou precioso num simples pedaço de papel que o poeta conservou sob o título “Recomendações da mamãe”. Ali estão os três conselhos que ela, na função de formadora da personalidade dos filhos, lhe dera. Na trinca de observações da mais pura e intuitiva sabedoria materna, contribuiu não só para modelar o caráter do filho, mas também para ficar-lhe para sempre na memória. Os conselhos eram os seguintes: “não guardes ódio de ninguém, compadece-te sempre dos pobres, cala os defeitos dos outros”. 

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