A gente conta a nossa história

23/08/2021 às 17:30.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:44

Sempre gostei de produções audiovisuais que abordam narrativas históricas. Contudo, quanto a determinadas produções que remetem à escravidão, algo sempre me incomodava, mas eu não sabia exatamente o que era. Hoje eu sei. Aprimorar a consciência racial faz com que enxerguemos facilmente as violências, os crimes, as feridas e as dores que o racismo provoca.

Uma das cenas da novela “Nos Tempos do Imperador” comprova que é óbvio que a participação de pessoas negras na mídia não pode se limitar à atuação como personagens, figurantes ou modelos. Se os autores e/ou roteiristas dessa novela fossem negros (e com consciência racial), a narrativa, com certeza, seria outra. 

A cena a que me refiro mostra o personagem Samuel, ex-escravizado, conversando com a namorada Pilar, considerada branca. Ela é impedida de morar na Pequena África, um reduto de negros libertos, mas se mostra compreensiva com a decisão de Olu, o rei do local. O namorado não concorda e diz: “Só porque você é branca não pode morar na Pequena África? Como que queremos ter os mesmos direitos se fazemos com os brancos as mesmas coisas que eles fazem com a gente?”. 

O equívoco é explícito. Nós nunca fizemos nem fazemos as mesmas coisas que os brancos fizeram e ainda fazem com a população negra. No Brasil, foram os brancos que escravizaram, torturaram e mataram os negros. Assim, não é lúcido tampouco humanitário conceber a possibilidade de um racismo reverso. A consequência de quase quatro séculos de escravização tem outro nome: racismo estrutural. 

A terminologia, comum no espaço acadêmico, é até sofisticada. Mas, efetivamente, materializa as mais dolorosas experiências decorrentes do racismo. No livro “Racismo Estrutural”, o autor Silvio Almeida explica que “o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo ‘normal’ com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares”. Desse modo, infelizmente, é “normal” que o Brasil seja um país racista. Não poderia ter sido diferente, haja vista todo o período escravocrata e a forma como o país não resolveu essa parte da história. 

Já que no Brasil impera o racismo estrutural, não há nada o que fazer, certo? Errado! Por ser estrutural, políticos, instituições e cada brasileiro precisam desenvolver ações antirracistas. Ser antirracista é um exercício diário e contínuo. É preciso aceitar a necessidade e a urgência de uma reeducação para as relações étnico-raciais. Ler autores negros, seguir perfis de pessoas negras e estudar sobre a negritude são alguns caminhos que podem contribuir para que a história seja reescrita. Mas, dessa vez, nós também somos os autores. 

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