Consciência racial é a nossa independência

06/09/2021 às 17:32.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:49

Foi quando ingressei na escola que cheguei à (pseudo) conclusão de que havia algo de errado comigo. Anos se passaram e eu percebia que comumente eu me adaptava e me adequava ao gosto e às exigências de uma sociedade que (verdade seja dita) não aceita as características fenotipicamente negras.

Um dia, quando estava com o cabelo alisado e escovado na escola, isso na 7ª série, uma professora, branca, me disse: “Nossa! Seu cabelo está lindo! Fique com ele sempre assim escovado.” Na hora, lembro que senti um misto de alegria e incômodo, afinal, tinha descoberto, naquele momento, que eu tinha que ser como os outros queriam para que “gostassem” de mim ou para que me aceitassem. O grande problema é que mudar as nossas características e a nossa essência não faz ninguém gostar da gente.

Eu ainda não tinha tal consciência quando busquei uma saída: estudar muito, trabalhar e ter dinheiro. Doce ilusão. A ascensão de classe não nos protege do racismo. Muitos não acreditam, mas ter um poder aquisitivo melhor só piorou e aumentou o racismo que experiencio todos os dias.

Hoje tenho a plena consciência que eu incomodo, minha cor incomoda. E ser preta, doutora e ter dinheiro incomodam muito mais. E digo aos negros: não se enganem, não para no incômodo. As pessoas tentarão silenciar a sua voz e invisibilizar a sua existência, vão questionar sua competência e vão fazer de tudo para você desistir.

O que me faz continuar é a compreensão de que o problema não é a pessoa preta, e sim o racismo estrutural. Por isso, afirmo que a consciência racial é uma estratégia de resistência. Apesar disso, precisamos entender que se reconhecer negro é um processo e que nem todas as pessoas negras se reconhecem negras.

A falta de consciência, mais uma vez, é culpa do racismo estrutural, que tira de nós o amor a nossa história, a nossa ancestralidade, a nós mesmos e aos nossos. Entendam: o negro não é racista (mesmo quando reproduz o racismo). A pessoa negra sempre foi a vítima desse sistema de opressão orquestrado pela branquitude para a conquista e manutenção do poder. Para que esse sistema perdure, nada mais estratégico que nos colocar uns contra os outros e levantar a bandeira da consciência humana.

Não somos todos iguais. Somos seres diversos. E ter consciência racial é subverter o sistema. Com consciência racial, estamos sempre de prontidão para lutar e resistir. Nem todo mundo está preparado para isso. Eu entendo. É muito cansativo. Mas eu garanto: quando a consciência racial nos alcança, a gente sente, de verdade, o sabor da liberdade. E uma vez que ocorre a tomada de consciência, não há como retroceder. 

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