Racismo é crime, não é opinião

18/01/2022 às 07:58.
Atualizado em 30/01/2022 às 19:57

Quem é negro neste país sabe que não temos um dia de paz. E quem não é negro também poderia ao menos saber. Crimes de racismo já se tornaram notícias comuns. O que diferencia um caso do outro são os requintes de crueldade. Além da dor, é muito cansativo sofrer racismo cotidianamente e acompanhar os casos que são noticiados nos veículos de comunicação e, principalmente, os que são divulgados pelas redes sociais. Por isso, aos finais de semana, permito-me, costumeiramente, ficar alheia às notícias.

No último domingo, foi impossível abster-me. Uma onda de comentários e outros textos invadiram a internet criticando um artigo publicado na Folha de S. Paulo de autoria de Antonio Risério. Li o artigo, e cada linha me deixava incrédula em relação ao que eu estava vendo: um texto enorme, elaborado até, e construído a partir de um emaranhado de supostos exemplos que confirmariam que existe racismo reverso, ou seja, o autor garante que brancos também sofrem racismo, tendo, inclusive, o negro como opressor.

Espantada, fiquei por alguns segundos imaginando quem seria o autor de um texto tão equivocado do início ao fim. Como não o conhecia, fiz uma busca para saber quem era o tal sujeito. Quase desmaiei quando vi que se tratava de um antropólogo, poeta, ensaísta e historiador. “Não é possível”, pensei. Depois, comecei a imaginar o estrago que esse texto é capaz de causar. Já fiquei horas, em palestras, em entrevistas, em conversas ou escrevendo um texto, explicando que não existe racismo reverso para pessoas que, mesmo resistentes, me escutaram e entenderam que a história e a estrutura política, econômica e social que moldou a escravização de negros africanos inviabilizam a possibilidade de brancos sofrerem racismo.

Não vou explicar, detalhadamente, porque o racismo reverso não existe nem vou apresentar o conceito de racismo e como este estruturou a sociedade brasileira. Tudo isso já está acessível.  Chamo a atenção para outras constatações: o generalizar tem lá suas exceções, mas, se você se declara branco e não é um estudioso da negritude e da história da escravização dos negros (assunto que não caberia nos tradicionais livros de história), ouso apostar que você não estuda tais temáticas, que você não compra livros de autores negros que abordem esse assunto e que você não segue em suas redes sociais influenciadores negros que produzem conteúdo sobre a questão do negro na sociedade.

Uma das consequências dessa ignorância é a potencialização do racismo. Pode ser doutor, pode ser intelectual, filósofo, antropólogo ou historiador, se não conhecer a verdadeira história, se não ler a nossa história, se não ouvir as nossas histórias e se não compreendê-las, a branquitude continuará a agredir, a violentar, a adoecer e a matar a população negra. Porque é isso que o racismo faz.

E para quem não lembra, racismo é crime, não é opinião. Um discurso racista não deveria ser publicizado em um veículo de comunicação como se fosse um ponto de vista ou uma tese. Conceder espaço para um amontoado de equívocos racistas, mesmo alegando que a opinião do autor não representa o que pensa o veículo de comunicação, é no mínimo antiético e fere o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que preza pela informação correta e precisa.

Os estudos sobre a negritude são a fonte correta e precisa. Desprezá-los é, além de um posicionamento racista, uma negação à ciência e ao conhecimento científico produzido, principalmente, por intelectuais, pesquisadores e estudiosos negros que refletem, analisam, narram, descrevem, explicam e exemplificam, por meio de elementos e fundamentos consistentes – não legitimados por uma opinião, diga-se de passagem –, a história e a realidade da opressão contra a população negra que muitos não querem enxergar. “Branco sofre racismo sim. Eu já sofri”, insistem. Seriam os mesmos que dizem que negro se vitimiza? Seriam os mesmos que acham que nossa luta é mimimi? Enfim, a hipocrisia.

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