Um setembro amarelo e preto

14/09/2021 às 07:37.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:52

O tema que vou tratar neste artigo é gatilho para mim. Ao escrevê-lo, rememorei traumas que acompanham a trajetória da população negra numa sociedade hostil às nossas dores. Em 2019, assisti ao filme “Coringa” e uma frase nunca mais saiu da minha cabeça: “A pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não a tivesse”. Se isso ocorre com todas as pessoas, independentemente da cor, imagine como é ser negro e ter um transtorno mental.

Sabe-se que a depressão é um dos fatores determinantes que aumenta o risco de alguém cometer suicídio. Uma pesquisa apresentada na cartilha “Óbitos por suicídio entre adolescentes e jovens negros 2012 a 2016”, elaborada pelo Ministério da Saúde, revela outro dado: o racismo é, também, um determinante de risco, de cunho psicológico, para o suicídio. 

Hoje, consigo compreender com clareza as relações entre racismo, depressão e suicídio. Nós, pessoas negras, todos os dias, estamos expostos a experienciarmos o não lugar, a ausência de sentimento de pertença, o sentimento de inferioridade, a rejeição, a negligência, humilhações, abuso, inadequação, inadaptação, sensação de incapacidade, solidão e isolamento social. 

Além de tudo isso, não há no Brasil um sistema de saúde que dê conta de prestar um serviço especializado que ampare a população negra. Passamos uma vida engolindo o choro e guardando dores e sofrimentos na mente e na alma. Nem a saúde privada consegue prestar um serviço de excelência, haja vista a carência de profissionais que reconheçam o racismo estrutural como um desencadeador de transtornos mentais. Na verdade, muitos desses profissionais sequer reconhecem a existência do racismo estrutural. 

E não estamos falando de um assunto novo. Desde o início da escravidão, há registros de depressão entre os escravizados. O termo “banzo” designava um estado de melancolia, tristeza profunda, que acometia os escravizados. Além de deixar o escravizado com baixa imunidade e vulnerável a outras doenças, o banzo provocava muitos suicídios, ocasionados pelo desespero ou como forma de resistência.

No contexto atual, o desespero e/ou a tentativa de resistir fazem, consoante a pesquisa do Ministério da Saúde, com que a cada dez suicídios, 6 ocorram entre adolescentes e jovens negros. Mais dados apontam que, no ano de 2016, o risco de suicídio foi 45% maior nesse grupo em relação aos jovens brancos. Uma coisa digo: quando alguém diz que a nossa luta é “mi mi mi” ou que pessoas pretas se vitimizam, essa pessoa está colaborando para aumentar essa estatística. O racismo estrutural é tão perverso que ele é capaz, literalmente, de nos fazer desistir da vida. 

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