Zumbi dos Palmares: um herói da resistência sim

08/11/2021 às 19:38.
Atualizado em 05/12/2021 às 06:12

Quando chega o mês de novembro, emergem vários apontamentos que tentam deslegitimar o Dia da Consciência Negra. “Deveria haver um Dia da Consciência Humana, e não da Consciência Negra”, “Mas o próprio Zumbi escravizava negros”, “Zumbi era assassino, não herói”, entre tantas outras contestações. Desconstruí-las, é fácil; difícil mesmo é abolir o racismo. Entre as estratégias dessa batalha, o conhecimento é uma arma poderosa.

Sobre um Dia da Consciência Humana, é válido enfatizar que a data não representaria as especificidades da diáspora africana, que, nesse caso, deve ser entendida como um processo de deslocamento forçado para sustentar sistemas de colonização. Além disso, tal data não daria conta de atender a demandas historicamente complexas decorrentes da escravatura. Entretanto, em meio a tantas datas comemorativas, uma não invalidaria a existência da outra.

O segundo apontamento é do tipo que ignora o real problema e reduz todos os africanos escravizados a um grupo homogêneo. Embora pareça óbvio, muitos esquecem que a África é um continente. As diferenças em relação às etnias, regiões e disputas dos africanos não se dissipavam quando eles chegavam aos territórios colonizados. Basta comparar com outro continente, em que diferenças, divergências e conflitos entre países e grupos diversos são naturalmente evidentes. Tudo isso revela uma tentativa de invalidar a representatividade e a importância de Zumbi dos Palmares, a fim de manchar a resistência da população negra, por meio de um artifício anacrônico que descontextualiza o período histórico e rejeita, como é ainda comum, a organização sociopolítica, a cultura e os valores dos 54 países africanos.

Nessa mesma corrente, os que não veem Zumbi como herói desconhecem o significado usual da palavra, que referencia algum homem considerado extraordinário por suas habilidades guerreiras, por seu êxito, valor ou magnanimidade. Parece polêmico, mas não é matar ou não matar que define  um herói. Desse modo, Zumbi foi, sim, um herói para os ex-escravizados que se juntaram à comunidade de Palmares, entre 1597 a 1694, para outros quilombos que se multiplicaram inspirados na força do maior refúgio contra a escravidão da história brasileira e para todos os negros que lutam em defesa de uma abolição verdadeira ou – como prefiro chamar – de uma segunda abolição.

Pra quem não sabe, Zumbi nasceu livre no Quilombo dos Palmares, que ficava na região hoje conhecida como Serra da Barriga, na cidade de União dos Palmares, em Alagoas. Com aproximadamente sete anos de idade, foi escravizado, mas fugiu aos 15 e retornou para Palmares, que chegou a ter, segundo alguns estudiosos mais otimistas, cerca de 30 mil habitantes. Depois de quase dois séculos opondo-se ao sistema escravocrata, a sede de Palmares foi destruída e o seu último chefe, degolado em 20 de novembro de 1695.

A reivindicação por uma data que marcasse a luta de Zumbi dos Palmares surge na década de 1970 no Rio Grande do Sul a partir de intelectuais negros e grupos quilombolas. Em 1987, o Rio Grande do Sul tornou-se o primeiro estado a ter uma lei que instituía o Dia Estadual da Consciência Negra. No âmbito federal, Zumbi dos Palmares teve seu nome inserido, em 1997, como herói nacional no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas Nacionais. Posteriormente, a lei nº 10.639/ 2003 determinou a inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. E após quase dez anos, por meio da lei nº 12.519/ 2011, foi instituído o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

Faltam, ainda, muitas ações e políticas públicas para que o Dia da Consciência Negra seja reconhecido para além de uma data histórica ou um feriado. Para quem está engajado na luta contra o racismo, chega a ser cansativo, para não dizer repugnante, lidar com tantas afrontas e tentativas de enfraquecimento e deslegitimação do movimento negro. Mas com o próprio Zumbi, nós aprendemos a resistir até o fim.

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