O difícil exercício da autocrítica

21/12/2016 às 18:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:10

O final do ano nos convida à reflexão. Mas será que conseguimos olhar para dentro de nós com isenção narcísica e fazer um bom exame de consciência sobre nossas condutas? Mergulhar dentro de si não é uma tarefa fácil. Geralmente tendemos a enxergar melhor os erros nos outros e atenuá-los em nós. 

No final de 2014, o papa Francisco fez um interessante discurso à Cúria Romana convidando-os a uma autocrítica. Ele se ateve a alguns comportamentos que chamou de “doenças”, que ao meu ver são reflexões muito pertinentes à vida de qualquer pessoa. Vejamos algumas de forma resumida:

- A doença do sentir-se “imortal”, “imune” ou até mesmo “indispensável”. Esta é a enfermidade daqueles que se sentem superiores a todos. Muitas vezes deriva da patologia do poder, do “complexo dos eleitos”, do narcisismo que fixa apaixonadamente a sua imagem. A estes, uma visita ordinária aos cemitérios poderia ajudar. Ver os nomes de tantas pessoas que já partiram, algumas das quais pensassem talvez ser imortais, imunes e indispensáveis. 

- A doença da má coordenação. Quando os membros do corpo perdem a comunhão entre si, o corpo perde a sua funcionalidade harmoniosa. É como uma orquestra que só produz barulho, pois seus membros não cooperam uns com os outros. É quando o pé diz ao braço: “não preciso de ti para nada”, ou a mão à cabeça: “quem manda sou eu”, causando, assim, desarmonia e mal-estar. 

- A doença da esquizofrenia existencial. É a doença dos que vivem uma vida dupla, fruto da hipocrisia típica do medíocre e do vazio espiritual, onde nível social ou títulos acadêmicos não podem preencher. Criam, assim, um mundo paralelo, onde colocam à parte tudo aquilo que ensinam severamente aos outros e começam a viver uma vida oculta e muitas vezes dissoluta. 

- A doença das bisbilhotices, das murmurações e da fofoca. É uma doença grave, que começa simplesmente, quem sabe, para trocar poucas palavras e se apoderar da pessoa, transformando-a em semeadora de intrigas e homicidas da fama dos colegas. É a doença das pessoas covardes que, não tendo a coragem de falar diretamente, falam pelas costas. 

- A doença de “endeusamento” dos chefes. É a doença daqueles que cortejam seus superiores, esperando daí obter vantagens. São vítimas do oportunismo. Esta doença também pode ocorrer inversamente, quando os chefes cortejam alguns colaboradores para obter deles submissão, lealdade e dependência psicológica.

- A doença da indiferença para com os outros. Quando alguém pensa somente em si, perdendo a sinceridade e o calor das relações humanas. Quando se chega ao conhecimento de algo e o esconde para si, ao invés de partilhar positivamente com os outros. Quando, por ciúme ou por astúcia, se sente alegria ao ver o outro cair, ao invés de erguê-lo e encorajá-lo.

Talvez uma boa sugestão para essa época do ano seja a confraternização interior, substituindo mensagens natalinas e presentes comemorativos por um profundo mergulho em nós mesmos, tentando, com humildade, ser pessoas melhores. 

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