Taquinho Oliveira: a vida e as coisas simples

Taquinho Oliveira
17/10/2015 às 09:26.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:05

“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, disse Fernando Pessoa em Mar Português. Menos intenso e profundo penso na leveza do Rubem Braga – e com ele faço contraponto – que, ao responder a uma revista de fofocas, elaborou uma lista das dez coisas que, para ele, faziam a vida valer a pena. Sua estratégia? Encarava a simplicidade como filosofia de vida.

Segundo o cronista, tudo o que precisamos para viver bem é de uma casa, comida, uma simples mulher. Que mais? Talvez a resposta, no caso dele, poderia ser acrescida de crônicas, a vida da roça, o mar e os silêncios contundentes, outras de suas preferências. Ou – contrariando o que prevalece no mundo cão em que vivemos – um jeito de ver o mundo que lhe dava a certeza de que, no fundo, talvez não fosse muito bom negócio vender a alma para ser feliz. “A alma às vezes faz falta,” ironizava, acrescentando: é melhor ser trouxa, agir como trouxas. Sem inveja, sem rancor. Um discurso que hoje certamente seria massacrado nas redes sociais do país corrupto e dos “eles contra nós” em que o Brasil se transformou.

Voltemos ao início da conversa, antes que ela se perca nos desvãos da alta filosofia – da qual não sou capaz de dar conta. Melhor me ocupar das miudezas do cotidiano, como fazia o velho Braga. Por exemplo, respondendo sobre as dez coisas pelas quais ele achava que valia a pena viver, o Braga abria a lista falando de certas comidas da infância como aipim cozido, ainda quente, com melado de cana.

Ah, a infância! Todas as lembranças que dela nos chegam, valem uma vida. No quesito comidas, bife com batatas fritas, arroz, feijão, ovo, e tomate, são coisas tão boas quanto as mangas espada, roubadas da casa vizinha dona Maria, no Santo Antônio, onde morei quando menino.

Sair pela primeira vez pelas ruas de uma cidade estranha, fazia a cabeça do Dr. Rubis. Faz a minha também. Curto demais essa de andar a pé, sem lenço, mas com documento, pelas ruas e meandros das cidades – como um Ítalo Calvino em busca do invisível das cidades visíveis, à procura das pessoas possíveis, na multidão de pessoas impossíveis.

Receber uma bola imprevista no meio da rua e responder com o chute perfeito era um grande barato para o Rubem. Se para ele isso era um barato, em minha opinião, bom mesmo é estufar as redes dos adversários decidindo rachas entre os amigos – e, entre cervejas e caipirocas, comentar a façanha na resenha pós-pelada.

Endosso os dois próximos itens pelos quais o melhor dos cronistas daria a vida: ler, pela primeira vez, um bom poema; ou uma bela prosa. E também concordo: engrandece a alma da gente o momento em que um grande amor vira uma grande amizade, e aquele em que uma grande amizade vira um grande amor.

Tragicômico é o sétimo destaque da lista de Rubem: desapaixonar-se por uma mulher que apenas lhe causa aflição. Certamente é um Alívio safar-se de alguém assim. Agora, para mim alívio maior seria desfazermo-nos de políticos, situações, e de trabalhos que roubam nossas alegrias. Viajar e voltar das viagens, o oitavo e o nono destaques lembrados pelo cronista, devem ser unanimidade também entre os que me leem.

Por último, Rubem Braga achava que, para europeus, voltar a Paris era uma das coisas melhores da vida; e para um brasileiro, voltar para o Rio de Janeiro. Este locutor que vos fala pensa que voltar a Paris é uma eterna alegria; ao Rio de Janeiro, atualmente, um grande temor. Prefiro retornar, sempre, para Belo Horizonte, minha casa, minha cidade. E a sua lista, leitor, qual é?

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