Intensificou-se nas últimas semanas o debate sobre a necessidade ou não de se adiar o Enem deste ano, atualmente previsto para o início de novembro. De um lado, agentes do setor educacional solicitando a suspensão do calendário da prova. De outro, o MEC insistindo em manter o cronograma planejado para um contexto de normalidade.
É claro que, apesar da posição do nosso ministro de defender a proposta atual, não podemos desconsiderar que a crise causada pela COVID-19 traz inúmeras dificuldades à sua manutenção. Não estamos em situação de normalidade. Ignorar que a crise impactará também ao Enem não é razoável.
Os jovens das escolas públicas, que são a grande maioria dos estudantes no Brasil, são os mais afetados pela interrupção das aulas presenciais. Apesar de todo o esforço das redes de ensino para colocar uma alternativa de pé, são os alunos mais vulneráveis que ficarão mais prejudicados, seja pela carência no acesso à tecnologia ou pela ausência do incentivo dos professores para que se inscrevam nas provas.
Diversos países no mundo que possuem provas classificatórias semelhantes revisitaram seus calendários e adiaram a aplicação em função da pandemia. O MEC não pode ignorar a realidade e precisa sentar à mesa para ouvir as dificuldades enfrentadas na educação e propor uma solução que leve em conta a situação atípica que estamos vivendo.
O setor educacional, por sua vez, também pode propor alternativas, ao invés de somente pedir o adiamento da prova sem um planejamento do que isso significará na vida de milhões de jovens que contam com essa prova para o ingresso no Ensino Superior.
Uma oportunidade que essa discussão sobre o Enem suscita, por sua vez, envolve a própria natureza da prova. Para os próximos anos, uma alternativa, a meu ver, passa pela adoção de um modelo que seja mais flexível e perene ao longo do ano, minimizando riscos que uma operação deste tamanho oferece ao propor apenas uma data ao ano para atestar o conhecimento dos alunos.
Modelos como o SAT (Teste de aptidão escolar), o Enem americano, permitem múltiplas aplicações da prova ao longo do ano, através de tecnologia e metodologia que permitem que as notas sejam comparáveis independente de qual prova foi realizada. O Enem Digital já caminha neste sentido, mas precisamos acelerar a sua implementação plena, atualmente prevista para finalizar somente em 2026.
Esta é uma discussão que precisa ser endereçada muito em breve. Enquanto isso, é urgente buscar uma solução conjunta e propositiva para este ano, que evite a transformação do calendário do Enem em simples pretexto para o embate político.