Quando o guardião age contra a Constituição

29/07/2020 às 08:42.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:09

Há oito anos, o STF começava a julgar o mensalão. Pela primeira vez, surgia na sociedade brasileira a sensação de que a corrupção endêmica do país seria enfim punida, com políticos graúdos finalmente condenados por seus crimes.

Na ocasião, o apoio da sociedade à corte foi notável, surgindo até a máxima de que os 11 ministros do Supremo eram mais populares do que os 11 titulares da seleção. Menos de 10 anos depois, os ministros continuam “na boca do povo”, mas não exatamente pelos mesmos motivos.

Os embates entre os Poderes têm sido frequentes e, infelizmente, vivemos aquela situação onde todos erram. O Executivo erra quando Bolsonaro inflama seus seguidores em manifestações contra os outros Poderes e quando, apesar das promessas de campanha, volta a repetir o toma lá dá cá com o Congresso.

O Legislativo erra quando parte significativa dos parlamentares aceita apoiar o governo em troca de cargos ou recursos, e quando se recusa a investigar os demais Poderes, sentando em cima de processos de abertura de CPIs, como a Lava Toga.

O Judiciário, por sua vez, também erra quando, supostamente buscando combater fakenews, instaura um processo que não respeita o devido processo legal e que, na última sexta-feira, resultou na suspensão de contas em redes sociais de militantes bolsonaristas.

Os militantes em questão são figuras cujas atitudes e opiniões eu não concordo. Não possuem compromisso com a verdade, disseminam teorias da conspiração e fazem de tudo para bajular seus políticos de estimação.

Também acredito que devem ser investigadas as suspeitas de que a produção e os disparos de fakenews são financiados com dinheiro público e as possíveis violações da legislação eleitoral no pleito de 2018.

Porém, não podemos aceitar que, em uma democracia, a corte suprema impeça qualquer um de se expressar, mesmo aqueles com os quais não concordamos.

O inquérito das fakenews é flagrantemente inconstitucional, por ter sido criado pelo próprio STF, a partir de uma leitura extrapolada de seu regimento interno. O Supremo faz, ao mesmo tempo, papel de vítima, acusador e juiz, o que é impensável em uma democracia. Lamentavelmente, o inquérito ganhou ares de legalidade ao ser declarado constitucional pelo plenário do STF, quando este deveria tê-lo interrompido.

A recente decisão do ministro Alexandre de Moraes de multar as redes sociais que não bloqueassem as contas bolsonaristas só reforça a preocupação de que o problemático inquérito resultaria em censura prévia.

A função do STF é ser o guardião da Constituição e de nossas instituições. Infelizmente, o papel que cumpre neste episódio só o enfraquece. O Senado, a quem cabe fiscalizar o Supremo, precisa sair de sua inação e cumprir o seu papel. E o Congresso como um todo, sem perder a razoabilidade, deve agir para aprimorar a legislação e reduzir os espaços para os abusos do Judiciário.

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