A dor da Covid

11/03/2021 às 19:37.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:23

Hoje resolvi usar esse espaço para trazer parte do relato feito pelo professor e amigo Bruno Fernandes, de BH, sobre a sua experiência com a Covid. O texto que segue é dele.

“Tenho lido vários relatos de pessoas que pegaram Covid e outras que perderam entes queridos em função da pandemia. Pediram-me para compartilhar as minhas histórias e o faço no intuito de conscientizar sobre os perigos da doença.

Me protegi e protegi os meus o máximo que pude, desde o início da pandemia no Brasil, há exato um ano.
Nos cinco primeiros meses, minha esposa Clara Bello, as minhas duas filhas e eu montamos um verdadeiro bunker em casa. Deixamos nossa funcionária (remunerada) na casa dela, só saíamos para o essencial e tudo passou a ser remoto. Só víamos nossos pais e irmãos de longe, de dentro do carro, todos mascarados e lambuzados de álcool em gel.

Em agosto voltei a viajar a trabalho. Quando regressava, me isolava. Cheguei a ficar 30 dias sem ver meus pais. Fazia um exame antes de ir e outro pouco depois de retornar. Minha mãe, Denise, brigava comigo porque não a deixava ter contato com as netas. Em compensação, falava com ela e com o meu pai, Cândido, todos os dias. Alguns me chamavam de paranoico, mas eu nunca contestei a gravidade dessa praga. 

Para o Natal, combinamos de todos fazerem os testes. Negativados, fizemos um restrito e agradável almoço em minha casa no dia 25. Logo após, alugamos uma casa em Lagoa Santa para nos isolarmos das confusões e aglomerações de BH. Fomos, inicialmente, os quatro daqui de casa e meus pais. Marina, minha irmã, chegaria somente no dia 29. 

No segundo dia, meu pai começou a apresentar sintomas alérgicos. Imaginamos que fosse por causa da casa e o medicamos. No dia seguinte, dor, febre e prostração. À noite, muita tosse. Marina chegou trazendo um oxímetro. Saturação baixa, teste de farmácia e o veredito: positivo.

Corri com ele pra BH. Era 29 de dezembro e os hospitais estavam lotados. Ficamos mais de 8 horas no pronto atendimento. Ele foi internado e iniciaram tratamento à base de corticoides. Fiz o teste no dia seguinte e deu negativo. Busquei minha família em Lagoa Santa e me isolei em um quarto da casa. No dia seguinte, acordei com dores no corpo e febre. Repeti o teste e deu positivo. Na sequência, foi a vez da minha mãe, que também testou positivo. Minha esposa Clara e as meninas não apresentavam sintomas até então. 

No dia 31 meu pai teve alta. Foi um alento. Recuperar-se em casa seria melhor. Eu sentia muitas dores no corpo e de cabeça. Tive febre dois dias, vômito e um cansaço sem fim. Não sei dizer o que era da Covid e o que era da preocupação com meus pais (sozinhos, isolados, cada um em sua casa), com Clara e as meninas e, também, com Marina e família, sem sintomas.

Na segunda, mesmo sem sintomas, Clara e as meninas fizeram o exame. Todas contaminadas. Nesse ínterim, meu pai piora, vai a um pneumologista, que já recomenda sua internação. Caso grave, segundo ele. Dois dias depois, a saturação da minha mãe despenca. Só havia vaga em dois hospitais.

O quadro do meu pai piorou e ele foi para o CTI. Era meu oitavo dia e foi o pior de todos. Achei que já estava melhorando, mas não consegui me levantar da cama. Na UTI, meu pai foi intubado e recebeu um tratamento experimental à base de imunoglobulina, que só se faz em um hospital em BH.

Minha irmã Marina e família não se contaminaram. Ela coordenava tudo e nos amparava de longe. Fazia a gestão de remédios, roupas, médicos e alimentação de todos.

Logo na sequência, minha esposa Clara passou a sentir dores no peito. Foi a um pneumologista. Exames alterados, começou um tratamento. Maria e eu perdemos olfato e paladar, que até hoje não está 100%.
Minha mãe estava bem até então, sem dores, sem febre, oxigenação boa no aparelho, quando tirava, saturação caía. Mas estava lúcida, preocupada conosco, com meu pai. Porém, independente, levantava, ia ao banheiro sozinha, dispensava as enfermeiras que colocamos lá, reclamava da comida, brigava com o médico, bem o jeito dela mesmo.

Meu pai ficou mais 6 dias na UTI, mais 4 dias no quarto, mais 2 fora da ala de Covid e teve alta. Foi para casa no dia 22 de janeiro. Eu ia diariamente ao hospital.

Minha mãe foi piorando. Do respirador, foi para o cateter de alto fluxo, dele, para a máscara. Da máscara, para o CTI. Eu estava com ela, fui até a porta. Não consigo me esquecer sua cara de desespero.
O quadro havia evoluído para uma infecção pulmonar. Começaram a tratar com antibióticos. Dois dias depois, foi intubada. Se curou da infecção, mas nesse meio tempo teve dois AVCs isquêmicos. Chegou a sair do CTI de Covid, Marina e eu pudemos vê-la por quase uma semana seguida. Da sedação, não mais acordou. Nos deixou no dia 9 de fevereiro.

A maior dor que sinto hoje é de não ter mais minha mãe comigo. O lamento é por termos tentado ao máximo que isso não acontecesse. O desejo é que as pessoas se conscientizem, protejam uns aos outros e aguardem até termos vacinas para todos.”
 

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