A dor do suicídio

06/11/2020 às 09:51.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:58

Uma esperança muito grande de reencontrar sua mãe ainda o nutria. Dizia que algumas pessoas tinham falado que ela foi vista em um Estado vizinho. Mas as lembranças da infância não saíam da sua mente e o atormentavam na hora do sono.

Tinha dia que ele mandava mensagens de madrugada, dizendo que não conseguia dormir, pois estavam vivos em sua lembrança os gritos de dor da mãe, vitimada pela tortura do pai.

Depois de uma hora de conversa ele se acalmava. Conversei com a psicóloga e ela disse que ele tinha momentos de raiva intensa que o dominavam, muitas vezes sentindo ainda a dor de uma criança assustada e sem reação. Apesar de muito importante, ele não continuou o tratamento por se achar melhor.

Demolir essas ideias e sentimentos era um desafio e ele estava lutando para isso, mas tinha hora que parecia estar sem forças. As referências de uma família presente e próxima lhe faltaram, a passagem por casas de acolhimento o ajudou, mas ele se preocupava com os irmãos que ainda estavam com o pai. O apadrinhamento por um casal reforçou nele a vontade de ser diferente, de fazer aquela criança crescer, mas os traumas eram demais.

Nesse ano, com 20 anos de idade, ele tomou a decisão de partir, talvez tendo a ideia de que ninguém sofreria com a sua ida definitiva, o que foi um engano.
A psicóloga mineira Luciana Rocha, que sofreu a dor do suicídio em família, em entrevista ao portal “vamos falar sobre o luto”, que vale a pena conhecer, diz que “o suicídio é multifatorial. Quando a pessoa decide se matar, ela simplesmente não vê outra solução”. 

Luciana ainda acrescenta: “o suicídio é uma ideia planejada. A pessoa pensou nisso mais de uma vez e não apenas no momento daquele ato. Quem tenta uma vez, tem 50% de chance de tentar de novo. E ser bem-sucedido”.

No curso virtual gratuito sobre “Prevenção ao Suicídio”, oferecido pela Fundação Demócrito Rocha, os dados apresentados impressionam: “de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de um milhão de pessoas morrem, todos os anos, por suicídio. A cada 40 segundos, uma vida é perdida no mundo. A partir da década de 1990, o fenômeno do suicídio começou a ser tratado como problema relevante de saúde pública pela OMS, requerendo um olhar cuidadoso e atento. Esse índice é ainda mais preocupante entre os jovens com faixa etária de 15 a 29 anos, sendo a segunda principal causa de morte no mundo, ficando atrás apenas das mortes por acidentes de trânsito (Ministério da Saúde, 2019).” 

O jornalista André Trigueiro, que é Kardecista, escreveu o livro “Viver é a melhor opção”, trazendo muitos números e pesquisas sobre o assunto, terminando-o com uma análise sob a ótica espírita. Um dado é assustador: em números relativos, as taxas mais altas de suicídio costumam ocorrer entre pessoas idosas, com 70 anos ou mais (OMS, setembro de 2014).

“Há algo a ser feito?”, pergunta-se Trigueiro. E a resposta que ele dá é sim. Dentre outras coisas, quebrar o tabu, trabalhando a informação com responsabilidade, reconhecer o assunto como um problema e mobilizar esforços, tempo e energia para tentar reduzi-lo. O problema não trabalhado adequadamente vai avançando no decorrer dos séculos.

O matemático e filósofo Pascal (1623 – 1662) disse, certa vez, que “todos os homens procuram ser felizes; isso não tem exceção... É esse o motivo de todas as ações de todos os homens, inclusive dos que vão se enforcar...”. 

O que falta nessa busca, o que se perde nesse sentido? Talvez seja a fantasia que criamos de uma vida feliz, com a falsa ilusão de estarmos isentos de problemas, dores, perdas, quedas? Essa não é uma pergunta só minha e nem é de hoje que se pensa sobre ela.
O assunto é tão preocupante que o Prêmio Nobel de Literatura, Albert Camus (1913-1960), chegou a considerá-lo a questão fundamental da filosofia a ser respondida: decidir se a vida merece ou não ser vivida. Ele mesmo disse, no livro “O Mito de Sísifo”, que o suicídio não é, de fato, uma solução, porque se a vida é verdadeiramente absurda, combatê-la é ainda mais absurdo; ao invés disso, nós deveríamos viver.

Para mim, a história do meu jovem amigo não é mais um número, apesar de entrar para a estatística. Gosto de uma frase que apareceu em minha mente, mas não sei quem a escreveu: apressa-te em viver, mas quando chegar lá, viva sem pressa.

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