A dor que a fome alimenta

15/04/2021 às 18:29.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:42

 Uma criança de dez anos pegou o celular da mãe e mandou uma mensagem para o líder de um projeto social do bairro Nova Contagem, em Contagem, MG, fazendo um relato sofrido do que eles estavam vivendo todos os dias e da fome que ele estava passando.

 O pequeno Mateus falava baixinho e o início da mensagem não dá para entender direito, mas ele desenvolve dizendo “(...) porque aqui em casa não tem nada, nada, nada, nada, nada pra gente comer”.

 Ao ouvir esse áudio do líder da comunidade eu não conseguia parar de chorar, pois o tempo todo recebemos pedidos de ajuda que vêm de todos os lados, de pessoas que estão com a geladeira vazia e nos mandam as fotos, outras que têm um idoso em casa e não conseguem comprar fraldas geriátricas, outros tantos que pedem um emprego, uma oportunidade de trabalho, além de cadeira de rodas, roupas, leites especiais, remédios.

 Há pedidos de cestas básicas vindos de trabalhadores que tiveram as suas áreas impactadas pela pandemia, como a de eventos, ou de autônomos que não recebem mais o auxílio emergencial e não têm de onde tirar qualquer quantia que seja, nem para um transporte público.

 Relato de pessoas que conseguem uma entrevista de emprego, o que tem sido bem raro, e vão caminhando quilômetros de sua casa até o local agendado, sem lanche e tendo que refazer o percurso de volta.

 Lembro uma vez que fui comentar com uma pessoa da dor que eu sentia ao receber esses tipos de informações, como a morte de um jovem por suicídio ou no crime, famílias com muitas crianças sem ter o que comer, etc. A minha ouvinte, sem a intenção de ser grosseira ou fria, fez uma reflexão em voz alta, sugerindo que eu já devia estar acostumado com situações desse tipo.

 Pensei muito sobre o que ela disse, pois sei que não é saudável que a gente viva a dor de cada um que nos relata suas angústias, senão a gente acaba adoecendo e não podendo ajudar em nada. Foi aí que aprendi que “compaixão” vai além da empatia, pois significa viver a dor com o outro e não viver a dor do outro.

Dói muito ouvir o relato de qualquer pessoa passando fome, ainda mais uma criança. Eu nem imagino o sentimento de um pai ou de uma mãe ouvindo isso

 O dia que a gente começar a achar tudo isso normal e nos acostumarmos, provavelmente teremos perdido a nossa sensibilidade. É lógico que vamos lidar com uma relação ambígua de frieza e sensibilidade, pois a primeira nos ajuda a agir e a segunda não nos deixa acostumar.

 O áudio do menino Mateus avança e ele diz: “a gente não tá comendo e minha barriga dói muito, minha barriga dói. E eu falo: mãe, eu quero comer alguma coisa. E ela fala: meu filho, olha o que que tem no armário. Aí eu falo: mãe, não tem nada, só tem angu, angu”.

 A mãe e o pai do Mateus estão desempregados e não recebem auxílio. O líder comunitário levou até eles uma cesta de alimentos e de produtos de limpeza doadas pela campanha Unindo Forças BH, além de alguns outros itens para as crianças, já que são três filhos.

 O problema é que a gente sabe que isso é pouco, paliativo, resolve a situação agora. Nós temos a certeza de que essa ajuda é insuficiente e dói muito ouvir o relato de qualquer pessoa passando fome, ainda mais uma criança. Eu nem imagino o sentimento de um pai ou de uma mãe ouvindo isso, ali, naquele momento.

 Numa reunião com o Leonard Farah, que é capitão do Corpo de Bombeiros de MG, ele contou uma história que presenciou nessa semana ao levar o filho ao dentista.

 Diz ele que uma senhora “vagava” pelo Centro de Belo Horizonte pedindo ajuda para se alimentar. Chegou perto de uma mulher, que estava com uma criança que parecia seu filho, e apelou pela sua ajuda.  Aquela mãe abriu a bolsa e procurou desesperadamente por alguma moeda ou nota que pudesse entregar para a senhora, mas infelizmente não achou.

 A senhora que pedia então se afastou. Porém a criança, que aparentava ter uns onze anos, a chamou de volta. Chegando lá a criança entregou algo que fez com que a senhora saísse toda alegre.

 Passando em frente ao carro em que o Leo Farah estava, ela mostrou o que foi que ganhou: uma embalagem de chicletes. Aquele menino deu à senhora tudo que tinha naquele momento e ela, com fome, saiu agradecida.

 Leo, que já participou de ajudas humanitárias em diversos países, presenciou aquela cena no Centro de Belo Horizonte, em que uma senhora ainda teve sua esperança alimentada, de verdade, por um ato sincero de uma criança.

 Conheça a campanha @unindoforcasbh

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