Adaptar-se ao novo

23/04/2020 às 19:21.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:21

Um monte de gente tem falado, e eu atentamente vou ouvindo, sejam os especialistas, sejam os palpiteiros nas redes sociais, que o mundo para o qual voltaremos “lá fora” não será o mesmo que deixamos ao entrar para as nossas casas. 

Há uma esperança de que as pessoas aprendam algo e saiam melhores, mas não é disso que eu vou falar, já que há muitos aspectos envolvidos nesse que deve ser um ponto de reflexão individual, com forte impacto na sociedade, seja qual for a decisão tomada.

A afirmativa a que me refiro é sobre hábitos individuais e coletivos, novos cuidados com a saúde como, por exemplo, manusear cartões, dinheiro, papéis, inadvertidamente, sem o cuidado de higienizar-se com mais rigor e frequência. O cuidado ao tocar equipamentos públicos, como uma academia instalada numa praça, os balaústres de ônibus, ou ao usar um caixa eletrônico, postos de autoatendimento e por aí vai.

Outro cuidado que sentiremos muito deve ser afastamento físico das pessoas, já que há estudos sendo realizados sobre a possibilidade de reinfecção pelo vírus, algo que a ciência já está tentando entender. Então, por um bom tempo, dispensaremos o aperto de mãos, o abraço, os dois beijinhos no rosto, o sussurrar de ideias no ouvido de alguém. Talvez esses sejam hábitos que teremos que fazer durar mais tempo do que imaginamos.

As máscaras podem ocupar espaço em nossas gavetas. O que estranhamente víamos por parte de alguns orientais, que já circulavam de máscaras antes da pandemia em capitais ou cidades grandes, talvez seja incorporado à nossa tradição também.

Há alguns dias fui a um supermercado e bem na entrada estavam uma criança e dois adolescentes, todos com máscaras penduras numa das orelhas ou descansando no queixo. Na verdade só o pequenininho estava fazendo o uso correto, usando um boné só se via o olhinho mexendo . 

Ao entrar para fazer minhas compras, eles pediram para ajudar num lanche. Eu, de máscara, no primeiro dia que saia de casa e a usava, ainda desajeitado, olhei para eles e falei: “vocês não estão me reconhecendo”? Os olhos se transformaram em obras da “Margaret Keane”. Puxei um dos lados da máscara e eles falaram: “mas você fica diferente demais, amigo”. É, talvez tenhamos um novo código para sermos reconhecidos.

Novos hábitos, que o novo tempo e o tempo livre me apresentaram, como uma meditação guiada. Sim, eu já tinha tentando exercícios de respiração guiados através de um aplicativo, mas meditação, não. A minha mente é inquieta, eu me distraio atoa, meu pensamento voa. Bom, então é por isso mesmo que vou ter que aprender a meditar, para ter uma melhor concentração e para me reconhecer melhor.

Quem disse isso não fui eu, foi a professora. Ela não disse diretamente para mim, pois ela já estava lá, gravada. E eu, para que para que minha mente aceitasse a opinião dela como verdade, fui repetindo até se tornar um mantra. Esse seria meu alongamento mental.
Fechei os olhos e ela foi me guiando: inspira, expira. “Deixe seu corpo leve, sinta que suas pernas estão sendo inundadas”. Nesse momento meu coração já acelerou, em dois segundos de pausa da professora eu já consegui perceber a água subindo, eu ficando sem fôlego – não, não pode ser, com tanta notícia de falta de respirador e ela vem falar logo isso na meditação. Mas ele continua, serena, depois dessa pausa ínfima: “sinta que suas pernas estão sendo inundadas por uma luz”. Ufa! Vou ter que praticar mais, mas é um novo hábito.

Até o hábito de se preocupar com as pessoas e falar com elas o quanto são importantes; o de prestar atenção de verdade numa maneira que um amigo ou conhecido estão usando para te chamar a atenção para a dor ou angústia dele; enxergar que seu dinheiro ou poder podem valer muito, se você estiver vivo; que o viver não cessa só com a morte real, pois a muita gente que se entrega em vida e assim vai “vivendo”; que a pressa não te deixa viver o momento e esse, danadinho que é, não volta mais. 

Sim, têm uns hábitos que poderiam já ter sido apreendidos, mas para muitos de nós se apresentará como novo. Então, que os novos e benéficos hábitos venham e a gente tenha a maturidade para saber aproveita-los.
 

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