Banho de sol

23/01/2020 às 15:31.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:24

Se elas tivessem feito “apenas” o que haviam proposto no início do projeto, já estariam deixando em cada mulher privada de liberdade, sob a custódia do Estado numa penitenciária feminina de Belo Horizonte, muito mais do que simples trocas semanais em aulas de teatro. Estariam deixando a possibilidade de se reconhecerem como gente, algo que o encarceramento insiste em apagar.

A ideia inicial de quatro mulheres, arte-educadoras e atrizes, era que 30 outras mulheres tivessem a oportunidade de vivenciar uma experiência artística, momentos de troca, de afeto, de integração entre elas, e usando a arte como possibilidade de liberdade.

Em cada cela, na visão de alguns, estão alguns “infopens”, o número com que o sistema prisional as identifica perante o Estado, mas que as marca por um crime de sua responsabilidade ou não. Para cada uma das professoras, ali estavam histórias, pessoas, mães, filhas, esposas. Creio que essas atrizes encontraram ali, encarcerados, muitos sonhos e perspectivas. 

Mas em cada cela daquele complexo penitenciário estão também, convivendo, medos, culpas, saudades, mágoas, arrependimentos, vontades. 

A sensibilidade de quatro artistas fez com que cada uma dessas mulheres pudesse ser imortalizada, que aquelas histórias e vivências em duas horas de banho de sol a cada terça-feira fossem contadas numa peça teatral de tirar o fôlego, pela riqueza, sensibilidade, talento, força dessas mulheres: as que ensinaram e as que aprenderam, sabe-se lá quem é quem nesse processo.

Banho de Sol é o nome do espetáculo apresentado pela Zula Cia. de Teatro, que nos enche de orgulho ao ver que um assunto tão denso é escancarado de maneira inteligente, promovendo um tanto de possibilidades de reflexões não só sobre a perda de liberdade das mulheres presas pela penitenciária, mas a nossa própria, cerceada por um sistema de que nós mesmos fazemos parte.

A vontade que tive foi de levantar e ir lá abraçar as atrizes e as coadjuvantes convidadas que estavam no palco, de dar um pouco de conforto e receber um pouco da sua energia, que nos faz mover, não só para levantar da cadeira e merecidamente aplaudir a apresentação de pé. Mas, para, de alguma forma, em algum canto desse quadrado em que vivemos, descruzar a mente e os braços e buscar proteger e resgatar as crianças e adolescentes que existem por aí e que já existiram (ou ainda sobrevivem) dentro de cada uma daquelas mulheres. Dentro de cada um de nós.

Acompanhe a companhia de teatro no instagram: zula_teatro.

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