Bendita Imperfeição

17/09/2020 às 20:52.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:34

“O que as pessoas vão pensar de mim?” ou, pior, “o que vão dizer de mim?” são pensamentos que servem utilmente para destruir a criatividade e a sede de viver livremente.

É interessante como o termo liberdade pode ter diversas interpretações, mas será livre aquele que anula sua própria vida em função do medo do que as pessoas vão pensar sobre o seu corte de cabelo, sua roupa, sua filiação ou sobre a sua genuinidade? Então, para não se expor, a pessoa deve esconder-se, perder-se dentro de si próprio e talvez jamais se reencontrar?

Vivemos em sociedade e temos leis, normas de convívio, que inclusive alguns esquecem, mas que isso não deve servir de desculpa para que eu também passe por cima delas.

O filósofo estóico Epícteto, que foi escravizado e, depois, comprado por um assessor do Imperador Nero, propôs reflexões profundas para uma vida plena, relatadas por seus alunos, como o historiador Flávio Arriano. Ele pregava que: “Se dizem mal de ti com fundamento, corrige-te; caso contrário, joga-te a rir.”

O problema é que muitas vezes vivemos com medo de fazer, de tomar uma decisão, de mostrar uma ideia, de dar um passo, de sair daquele lugar ou momento pelo aparentemente simples, mas pesado, fardo de pensarmos que o que somos de verdade pode não agradar a todos. Somos imperfeitos, erramos, caímos, não temos tudo que a mídia impõe para um “ser ideal”. 

As pessoas “lá de fora” talvez falem, apontem e poderão até mesmo debochar e rir. Mas quem são elas? São, como dizia o filósofo Cícero, “fator de soma em sua vida”?

Porém, quanto mais nos afastarmos daquilo que somos, pior e mais traumático será o retorno. Epícteto diz: “Como teria eu opiniões íntegras se não me basta ser o que sou e se ardo por parecê-lo?” 

Há alguns dias assisti à palestra virtual da Brené Brown sobre vergonha, vulnerabilidade, humilhação e constrangimento. As falas dela contagiavam as pessoas pela clareza e empatia, ao explicar como a vergonha aprisiona ou falar da importância de respeitosamente impor limite aos outros. 

A vergonha sempre faz a gente buscar externamente os culpados para os nossos erros: “eu disse que não queria fazer aquele trabalho”, “eu avisei que não estava preparado, eles que não me ouviram” e, com isso, tentar diminuir uma dor que parece não ter fim. Mas ao tentar achar os culpados fora de nós, a situação só piora, pois não permite uma reflexão que provoque uma mudança.

Para Epícteto: “Acusar os outros pelos próprios infortúnios é um sinal de falta de educação; acusar-se a si mesmo mostra que a educação começou; não acusar nem a si mesmo nem aos outros mostra que a educação está completa.”

Sempre pensei que a culpa fosse pior que a vergonha, mas em seu livro “A coragem de ser imperfeito” ela explica que quando comparamos padrões e percebemos que aquilo que acabamos de fazer não combina com o que somos, nasce a culpa. Ela já é uma autoreflexão em si e não uma busca por desculpa.

Brené se tornou mundialmente conhecida por uma palestra de 18 minutos, para o TEDx Houston, nos EUA. Ela resolveu ousar, não seguir um roteiro e falar o que sentia sobre aquilo que sabia por pesquisas científicas e pela sua própria vivência. 

Dias depois, a palestra estava entre as mais assistidas e o conceito de “imperfeição”, que ela abordara, entre os mais citados nas mídias: comentários felizes, gratificantes, elogiosos, intercalados por alguns que criticavam o seu peso, a sua maternidade – usando seus filhos para atacá-la, e outros que são parte da sua vulnerabilidade.

A forma autêntica de expor suas ideias, o “desnudar-se” diante da plateia, ajudou muita gente. Mas, também, incomodou diversas outras, talvez pelo fato de que viver atrás de máscaras, atuando em um papel que os outros impõem e muitos aceitam, seja uma forma dolorida de arrastar pelo tempo a fachada de vida perfeita.

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