Chega a solidão

16/04/2020 às 20:39.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:17

Eu não sou um primor nas redes digitais, não. Muitas vezes faço uma postagem, olhos algumas coisas, aí desligo o celular, literalmente, e vou fazer outra atividade. Vou confessar uma coisa: eu tenho plena convicção de que o “celular” é quem me controla e não eu a ele. O dia que eu resolver isso na minha cabeça, nossa relação vai ser mais amena.

Porém, nesses tempos de isolamento, tenho tido maior frequência on-line e até trabalhado um pouco mais a relação que tenho com o meu aparelhinho, inclusive agora em que ele, assumida e descaradamente, dirá ao Estado, num programa de geolocalização, onde eu estou. Também sei que essa fofoca ele já fazia, como a de outras informações ainda mais detalhadas da minha vida, incluindo meus hábitos.

Um dia desses, ao redigir um texto para uma postagem numa dessas mídias, eis que o meu dedinho tecla, inadvertidamente, numa mensagem de live, daquelas que brotam por segundos, e eu nem tive tempo de controlá-lo para que me levasse para onde realmente eu queria. 

Entrei numa live assustado e saí, abruptamente, como se tivesse entrado numa sala de aula errada e, desesperado para me livrar daquela situação, para desespero, ainda deixo a porta bater.

O susto de sair daquele ambiente virtual que eu entrei sem querer foi tão grande que eu, sem perceber, com o dedo ainda descontrolado, nesse desajeito, entro na área de mensagens do mesmo aplicativo. Ali percebi que tinham algumas sem resposta e me dediquei a isso.
A segunda mensagem que ainda não tinha lido era de pessoa pedindo ajuda. Não era para cesta básica, nem fralda geriátrica, muito menos dinheiro. A pessoa queria, simplesmente, falar com alguém e, mesmo sem me conhecer pessoalmente, pelas postagens sobre projetos sociais ela se sentiu à vontade e impulsionada em me mandar um desabafo.

Espera, ao continuar lendo percebi que não era um desabafo. Era uma explosão de sentimentos mesclados, que deixava tão clara a angústia, a ansiedade e a desorientação dela. Às vezes recebo contatos de pessoas que se sentiam “engasgadas”, como em algumas mensagens que me chegam virtualmente após alguma palestra. Mas o dela era mais intenso. Eu mandava a mensagem e ela insistia em relatar a dor e ficar no sofrimento e no mesmo ponto de vista. Percebi que não iria ajudá-la em nada, pois a necessidade dela era outra. 
No mesmo momento acionei uma voluntária, que é psicanalista, e perguntei se ela poderia fazer um atendimento dessa pessoa. Como tive a resposta afirmativa das duas partes, intermediei o contato. 

É tão importante reconhecer os limites, isso é um aprendizado. Eu não tenho competência e nem sou um profissional para prestar esse tipo de atendimento, na gravidade que se configurava.

Esse caso não foi o único nesses últimos dias. Tem sido constante e cada vez com uma carga mais intensa. As pessoas precisam ser ouvidas, precisam cuidar da sua saúde emocional, mental, física, espiritual. Sim, tem sido difícil, mas temos que encontrar maneiras de acolher as pessoas, pois isso as está sufocando. E temos que saber o nosso tempo, o nosso limite, a nossa hora de afastar, inspirar e continuar.

Uma frase do Bauman me acompanha, e me incomoda também: “estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo”.

  

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