Como dizia Belchior!

29/07/2021 às 19:32.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:33

Numa visita que fiz ao presídio de Nova Lima, MG, convidei os humoristas Thiago Carmona e Gabriel Andrade para trocarem umas ideias com os presos, no pátio do banho de sol.

A unidade prisional possui poucas celas, numa cadeia chamada de “porão”, por ser subterrânea e construída embaixo de uma delegacia, mas com entrada independente. Cada um dos convidados falou um pouco da sua vida e da arte que abraçam com tanto talento.

O Carmona fala muito bem e já me acompanha há mais tempo, e o Gabriel, em sua primeira visita, percebendo que um dos detentos tinha o nome de Belchior, perguntou se era uma homenagem ao cantor. Ele disse que não e a maioria nem sabia quem era o músico, compositor, artista plástico e professor Antônio Carlos Belchior, nascido em Sobral, no Ceará, em 1946.

Gabriel falou sobre o artista e mostrou uma foto dele, tatuada em seu braço, com um dos seus versos. Todos ficaram atentos àquela poesia que o humorista carregava consigo em seu corpo. Para se tatuar algo, é preciso gostar bastante.

Eu sinto muito de ter conhecido mais do trabalho do Belchior só depois dele ter morrido, em 2017. A poesia das suas músicas é atemporal. Ele falava de mudanças, entre tantas outras coisas, olhando os sujeitos da sua época, mas com mensagens muito atuais.

Em “Velha roupa colorida”, quando diz que “o passado é uma roupa que não nos serve mais”, ele não está desprezando os que ficaram velhos ou os feitos conquistados no passado. É mais um alerta que é preciso continuar avançando, aprendendo, conhecendo novos ritmos e estilos, se abrindo ao novo, afinal, “é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem”, cantado por ele, mas bradado ao mundo pela Elis Regina na música “Como os nossos pais”.

Em 2017, ano de sua morte, no carnaval de Belo Horizonte, o bloco “Volta, Belchior” saiu convidando a todos para “amar e mudar as coisas”, com músicas do cantor e compositor, na intenção de animar os foliões e levar a sua imortal obra para as novas gerações.

Belchior, com uma vida cultural riquíssima,  também foi inspiração para vários escritores, dentre os quais o jornalista Jotabê Medeiros, que escreveu o livro “Apenas um rapaz latino-americano” e  “Viver é melhor que sonhar”, de Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti, que relatam os últimos dez anos na vida do cantor, que se isolou no sul do Brasil e no Uruguai.

Em “Amarelo”, o rapper e compositor Emicida traz os versos da música “Sujeito de sorte”, que ecoam fundo na alma de tanta gente. Também atemporal, essa música do Belchior parece ter sido escrita para o momento em que estamos passando, de muita instabilidade emocional, de incertezas frente ao que virá ou o que já estamos vivendo, de repensar a nossa vida e tudo aquilo que fizemos até então. De admitir as dores e as quedas, reconhecer as derrotas, mas tomar uma decisão.

Quando categoricamente afirma que “Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro. Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro” ele mostra justamente isso. Vivemos os nossos lutos, choramos, muitas vezes temos afetadas a nossa saúde mental e a física, caímos numa tristeza, num desespero e até numa depressão.

Mas para que serviu tudo isso que passamos? Para uma correção de rumo, para aprender alguma coisa, para nos fortalecermos e, assim, não morrermos de novo, entendendo que o caminho que temos adiante é o novo e é inevitável que “uma nova mudança em breve vai acontecer”, já alertava em “Velha roupa colorida”. Essa nova mudança vem da gente, do nosso querer. Mas, ao mesmo tempo é paradoxal, porque há um nível que independe da nossa vontade. Podemos gastar energia lutando contra ou compreendê-la.

A situação mudou, tudo mudou. Nós mudamos, assim não dá para ficar ancorado nas dores e erros do passado, “Deus é brasileiro e anda do meu lado e assim já não posso sofrer o ano passado”, como cantou em “Sujeito de sorte”.

Há muito que se aprender com a cultura, a poesia, a música, o teatro, as artes plásticas, o cinema... Há muito que se aprender com a vida, pois “tudo muda e com toda razão”, como o nosso mestre afirmou em “Apenas um rapaz latino-americano”.  

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