Faz sentido

30/07/2020 às 19:38.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:09

Um jovem médico, formado pela Faculdade de Medicina de Havard, preferiu trocar os convites para participar de programas de treinamentos especializados em hospitais renomados em Massachusetts para voltar para o seu estado, Nova Iorque.

Terminando a sua residência em Medicina de Família e morando num sítio, o jovem sentia ter uma vida autêntica e verdadeira, junto à terra, criação de animais, produção de açúcar e cuidando dos filhos.

Em 1991, assumiu a direção clínica de uma casa de repouso com 80 residentes idosos com sérias e múltiplas deficiências.
Sem familiaridade com esse tipo de instituição, sentia que havia muito desespero em cada quarto que entrava, o que o deixava deprimido. Percebia que os outros funcionários, acostumados com tudo ali, não viam nada de diferente de outras tantas casas de repouso que já trabalharam.

Ao ver os residentes tão desanimados e sem energia, resolveu, como clínico, pedir a realização de uma série de exames, testes, ressonâncias nos pacientes para que pudesse fazer algo prático, como alterar a medicação, se fosse o caso. Semanas depois, nenhum resultado concreto foi alcançado, além do aumento das despesas médicas do local e de provocar um desespero na equipe de funcionários.

Uma boa vida é uma vida de independência, o que era negado aos residentes, acreditava o médico. Assim, convencendo o administrador da casa a entrar num financiamento, que precisava de um projeto para a sua aprovação, ele resolveu colocar como meta atacar o que chamava das três pragas da existência em uma casa de repouso: o tédio, a solidão e a sensação de impotência. Acredito que estas pragas não estejam só em lares de idosos, pois, como dizia Bauman: “estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo”.

Trazendo muito da sua experiência em viver num sítio, o médico resolveu colocar no projeto a proposta da substituição de um gramado por uma horta e jardim, além de uma planta em cada um dos quartos e, ainda, um animal de estimação, o que já começou a ser contestado por muitos, não só por causa da legislação, que permitia um cão ou um gato, mas que já tinha sido tentado no passado e não havia dado certo.

Tendo sido aprovado o financiamento, o maior problema que ele teve inicialmente foi a mudança de cultura entre os funcionários, que falavam que não eram pagos para serem “babás de cachorro”. O médico dizia que “a cultura cria uma tremenda inércia”. Mas, gradualmente as pessoas começaram a perceber como que a simples chegada de animais, como periquitos, trouxe sorrisos aos residentes, ao se assustarem com os bichinhos que insistiam, no primeiro dia, em fugir da grande gaiola de transporte e pousar em suas cadeiras.

Claro que não foi de um dia para o outro que a equipe foi conquistada, mas ao levar seus filhos para também cuidarem dos bichinhos, as enfermeiras foram se rendendo às novas ideias. 

Para além dos 80 idosos, os residentes agora incluíam cem periquitos, quatro cachorros, dois gatos, uma colônia de coelhos. A experiência foi tão bem-sucedida, que anos depois foi criada uma creche para os filhos dos funcionários e atividades extracurriculares que recebiam crianças maiores de algumas escolas próximas.
</CW>Os custos com medicamentos caíram 38% e o número de mortes diminuiu 15%. Bill Thomas, o jovem médico, conta que a experiência na casa de repouso, a “Chase Memorial Nursing Home”, foi tema de diversos estudos, mas que a sua constatação para a queda nas taxas de mortalidade está ligada “à necessidade humana fundamental de ter uma razão para viver”.

Ao lidarem com os pacientes, os funcionários deixam registrados no diário da casa de repouso lindas histórias, como idosos que viviam acamados, reclusos no quarto, e que agora levam o cachorro para passear nas dependências da instituição; alguns mais calados, na hora do procedimento da enfermeira, ficam contando sobre os passarinhos, como cantam o dia todo, o que comem e a hora que se alimentam; pacientes com demência escutam pássaros cantar e perguntam se eles podem beber um pouco de café.

Talvez esteja tão perto da gente, ao alcance das nossas mãos, proporcionar dignidade e respeito para que as pessoas encontrem um sentido em sua vida, como dizia o dr. Viktor Frankl, sobrevivente dos campos nazistas e criador da Logoterapia.

Obs.: a história do jovem médico encontra-se no livro “Mortais”, do cirurgião Atul Gawande.

  

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