Idade ou perspectiva?

08/04/2021 às 18:16.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:38

Pesquisadores da Universidade de Stanford, na Califórnia, identificaram que as metas e os motivos das pessoas em suas vidas diárias mudam completamente quando a fragilidade da vida se faz sentir. É a perspectiva, e não a idade, que mais importa.

 Eles perceberam que entre as pessoas doentes, as diferenças de idade desapareciam e as preferências, por exemplo, de um jovem com Aids eram as mesmas que de uma pessoa idosa que possuía algum comprometimento da saúde.

 Já com pacientes saudáveis, de modo geral, quanto mais jovens eram os participantes da pesquisa, menos valorizavam o tempo com pessoas com as quais tinham fortes vínculos emocionais. Por outro lado, valorizavam o tempo com aqueles que eram fontes de novas informações ou de novas amizades, que podem ser características etárias, culturais e circunstanciais (os jovens têm “todo o tempo do mundo”).

Quando reconhecemos que não temos muito tempo no mundo, enxergamos nossas prioridades de maneira mais clara

 Cronologicamente cada pessoa está numa fase do seu envelhecimento e isso é muito importante para entendermos que todos estamos trilhando o caminho da longevidade, desejada por muitos, temida por outros. Nós, os brasileiros, não temos por hábito nos preocupamos, ainda, com a qualidade de uma vida longeva, a não ser que venhamos a sofrer alguma ameaça em nossa estrutura física, emocional, social ou mental.

 Leon Tolstói, que viveu até os 82 anos, de 1828 a 1910, retratou muito bem a questão do tempo numa pequena novela que escreveu no fim da sua vida, chamada “A morte de Ivan Ilitch”. Conforme a saúde de Ivan se deteriora, ele começa a perceber que seu tempo é limitado e é aí que sua ambição e vaidade desaparecem. Essa obra, de leitura bem rápida, é tão atual que parece que Tolstói escreveu ontem pensando em todos nós.

 Uma pesquisa da dra. Laura Carstensen, psicóloga e professora da Universidade de Stanford, mostrou que idosos aceitam melhor a tristeza do que os jovens, por saberem lidar mais adequadamente com ela. Com isso, podem solucionar conflitos e debates carregados de emoções melhor que os jovens.

 Os idosos conseguem ver a injustiça com compaixão, mas sem desespero, e destinam seus recursos cognitivos, como atenção e memória, mais para uma informação positiva que negativa. Nos testes realizados na universidade, a equipe da dra. Carstensen observou, por exemplo, que ao mostrar rostos sérios, alegres, zangados, os idosos olham em direção às imagens mais sorridentes que aos tristes ou “carrancudos”.

 Isso, no dia a dia, significa mais prazer e satisfação. No meu palpite, que não tem nada de científico, talvez seja uma retenção seletiva, que consiste em tudo que a pessoa recebe como informação, seu cérebro está mais disposto a selecionar o que está mais ligado às suas motivações atuais e armazená-las.

 Mas cabe aos pesquisadores, numa metodologia científica, levantar hipóteses e uma delas foi: será que os centros nervosos do cérebro poderiam estar degradados a tal ponto que não permitiriam aos idosos perceberem o negativo?

 A constatação foi de que os participantes processam as informações negativas tanto quanto as positivas. Os pesquisadores descobriram que tudo isso acontece pela habilidade humana única de monitorar o tempo, não só do relógio ou do calendário, mas o tempo da vida.

 Então o paradoxo do envelhecimento é que o fato de reconhecermos que não viveremos para sempre muda a perspectiva em relação à vida para modos positivos, na maioria dos casos.

 Quando reconhecemos que não temos muito tempo no mundo, enxergamos nossas prioridades de maneira mais clara. Prestamos menos atenção em assuntos que não nos levam a nada, apreciamos mais a vida e os momentos e somos mais abertos a reconciliações.

 Essa mesma mudança de perspectiva faz com que, com o passar do tempo, a gente fique mais intolerante a injustiças.

 Aprendemos a abandonar momentos e coisas que nos fizeram mal e agradecemos a quem um dia fez parte da nossa vida, mas que não tem tanto protagonismo mais e, por isso, é importante encerrar os ciclos, fechar “as portas” deixadas abertas para, assim, continuarmos a caminhada.

 Gosto muito de uma história em que perguntaram ao velho Galileu Galilei quantos anos ele tinha e a resposta foi certeira: devo ter uns 8 a 10 anos, no máximo e, completando ele disse: “Tenho, na verdade, os anos que me restam de vida, porque os já vividos não os tenho mais”.

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