Momentos vívidos

03/09/2020 às 20:01.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:27

Antoine de Saint-Exupéry é muito conhecido por nós pelo livro “O Pequeno Príncipe”, que é uma verdadeira viagem à essência humana, numa tentativa do próprio homem em se conhecer e, também, às suas possibilidades de interação com o outro. 

A sua obra publicada é muito rica, além de ter deixado escritos inacabados, já que ele morreu aos 44 anos, ao pilotar um avião em missão durante a segunda grande guerra mundial.

Os estudiosos da sua obra ressaltam a vivacidade das suas histórias, que se encontram em oito livros, incluindo o Cidadela, que foi publicado após a sua morte. Ele falava do que viveu e não de um olhar externo de um fato que, como autor, queria comentar. Fazia relatos de fatores ligados à aviação, uma vez que era aviador, falava sobre o deserto, onde viveu por um tempo e do relacionamento muito íntimo com ele mesmo, nessa busca por se conhecer.

Ao ler as histórias de Saint-Exupéry podemos fazer uma relação com o trabalho voluntário desenvolvido por pessoas, movimentos, coletivos e organizações diversas, que vivem, experienciam momentos de pleno contato com o outro, de entrega a uma causa, de superar as suas próprias dores para abraçar a dor do outro. O caminho para se chegar ao voluntariado pode não ser uma decisão planejada, mas que a vida vai conduzindo, aos poucos ou abruptamente, para essa direção. Por isso é importante, em algum momento dessa caminhada, uma grande reflexão sobre as potencialidades e as limitações do voluntário, mas feita por ele próprio.

São dezenas as vezes que os voluntários voltam para casa pensativo, chorando, tentando entender como poderiam ter feito mais, onde erraram em algumas situações, como poderiam ter insistido em outras. São diversas as vezes em que choramos juntos, sem saber o que fazer, mas deixando claro ao outro que, mesmo sem a ideia de uma solução, a pessoa não está sozinha. Ter um abraço silencioso, um aperto de mão vigoroso, um sorriso ou uma palavra fora daquele contexto, inclusive, que nem seja para o conforto, mas que acaba servindo para tal.

São vários os casos de relatos inacreditáveis, como se fossem um roteiro de filme, em que crianças nunca tinham ganhado um chocolate, outras que pedem ao Papai Noel um caderno tipo “brochurão” para irem à escola. Crianças que não conseguem se alimentar, pela negligência de um monte de gente, inclusive da família. Famílias que não têm o que comer, mas não negligenciam o cuidado e o afeto.

Quantas vezes foi possível ver o sorriso de um idoso quando um grupo de voluntários chegava, o lamento de alguns quando era a hora de encerrar a atividade: “vocês já vão? Ainda está cedo”. Quantas vezes encontramos um idoso com um mau humor terrível e que foi se desmantelando aos poucos, ou uma criança arredia, que se protegia do carinho, desconfiado que isso possa existir de verdade.

Mas, também, há aquelas crianças que abraçam e não querem largar, aqueles idosos que falam que estão ansiosos pela próxima visita, um morador de rua que guarda por dias um artesanato feito por ele próprio para nos presentear, um indivíduo privado de liberdade que tira dos seus pertences uma oração e nos entrega, não em sinal de sua falta de fé, mas em agradecimento, dando-nos o que ele entende ter de mais valioso.

Não há, no trabalho voluntário, como fazer uma soma em uma folha de papel do que são bons ou maus momentos vividos. São, cada um a seu jeito, simplesmente momentos vívidos – sim, no sentido de muita vivacidade. Quando uma ação encerra e saímos com a sensação de impotência, talvez não consigamos avaliar o que aqueles minutos tiveram de valor, pois para os nosso olhos pareceram inúteis, perdidos por não termos conseguido sensibilizar ou ajudar o outro como queríamos, mas que para o outro podem ter sido motivo de grande valia, mesmo que não tenha demonstrado.

E é com ele, Saint-Exupéry, que finalizo essa conversa: “Aqueles que passam por nós não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.”

  

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