O despertar

28/08/2020 às 08:16.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:24

Um amigo me manda uma mensagem avisando que tinha um curso novo, gravado no período da pandemia, sobre “Filosofia da Religião”, ministrado virtualmente por um estudioso do tema, e que deveria ser interessante para mim. Ele sabe que são dois assuntos que eu tenho me dedicado a ler e pesquisar nos últimos tempos: a Filosofia e a Ciência da Religião. 

Fiz o curso todo em um dia, ansioso pelas respostas às perguntas que fizeram acampamento em minha mente, doido para que alguém me traga o gabarito sobre questões que uma hora ou outra, direta ou indiretamente, a gente acaba se fazendo. 

O professor apresenta uma literatura vasta e eu já fui comprando pela internet os livros que mais se casam com as minhas pesquisas. 
Antes, porém, já tinha lido “O livro das Religiões”, do Jostein Gaarder, o mesmo autor de “O mundo de Sofia” que, logo no início de ambas as obras, apresenta algumas perguntas chamadas de existenciais, sobre a existência de Deus e a nossa própria, sobre o sentido da vida e vida após a morte e por aí vai.

O professor, na aula virtual, já assevera que se a gente acha que essas são dúvidas só nossas, podíamos relaxar, pois antes de Cristo já tinha muita gente nesse caminho, inclusive que curso algum pode nos conduzir a respostas prontas e acabadas.

Há tempos comecei a pesquisar sobre a brevidade da vida (Sêneca tem uma carta enviada supostamente ao seu sogro, sobre esse tema, que é simples e direta), tendo antes me dedicado às obras de Atul Gawande e, mais a fundo, da psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross, sobre a morte.
Começando de “lá para cá”, a finititude de todos nós, tinha que entender o sentido da vida, e encontrei muito conforto intelectual nas obras do psiquiatra Viktor Frankl, mas com ele, ex-prisioneiro de campos de concentração nazista, vieram outras histórias, de outros sobreviventes. Li Primo Levi, com o angustiante “É isto um homem?”, Edith Eger, bailarina e ginasta, que esteve na adolescência em Auschwitz, e até uma fábula, chamada “A mercadoria preciosa”, do Jean-Claude Grumberg, que deixa para a página final uma grande surpresa do livro.

Um dia, dei uma pausa nas leituras e fui montar pastas no computador para organizar fotos antigas, que resolvi liberar do celular. Fui baixando os registros de visitas que fizemos a idosos, crianças em creches ou abrigos, professores e alunos em escolas públicas, pacientes em tratamento de hemodiálise, crianças em tratamento de câncer e outras tantas que nasceram com paralisia cerebral. Abro a pasta das festas feitas em albergues e repúblicas para homens que vivem – ou viveram – nas ruas, adolescentes em socioeducativos, voluntários se entregando às ações, gestores voluntários dos nossos grupos se virando quando a atração planejada precisa ser alterada às vésperas de acontecer. 

Pronto, tudo organizado, agora parto para as pastas pessoais: fotos da minha família, dos meus amigos, da minha mãe, do meu pai, sorrindo em uma janela de um apartamento em Maceió, onde nós moramos por um tempo. Viagens, encontros animados, festas de fim de ano com amigos queridos, fotos de hospitais quando passei por cirurgias, cidades que conheci trabalhando. Nossa, ainda têm as fotos de trabalho: pessoas admiráveis que dividi o palco e o auditório, pessoas -e suas incríveis histórias - que dividi salas de aula ao longo de 25 anos como professor.

Talvez as leituras tenham me ajudado a fazer racionalmente o que as fotos representam da vida real: o sentido da vida está em acordar, acreditando ou não em um ser superior – eu escolhi acreditar, viver a simplicidade dos momentos, entender que nem todos pensam igual a gente, dedicar-se a aprender, descobrir que virtude se aprende na prática, ter noção de que há coisas que controlamos e outras que não estão sob o nosso controle (como diz o filósofo Epicteto), mas, mais do que tudo, ter claro para si próprio o “telos” da vida, como diz Aristóteles. Assim, quando algo acontecer que nos tire o ânimo ou nos desafie, essa finalidade bem clara não será só a grande guia, mas a lembrança que ilumina a caminhada.

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