O rádio por companhia

19/06/2020 às 08:04.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:48

Toda vez que sou convidado a dar uma entrevista na Rádio Itatiaia, minha mente se explode de emoções de um saudosismo muito grande. Ao chegar lá na porta, uma série de boas recordações me invadem, lembranças da vida da criança e adolescente que fui e da presença marcante da minha família.

Meus pais, com quatro filhos, decidiram mudar para Maceió, Alagoas, quando eu ainda era criança. As coisas não estavam fáceis em Minas Gerais e não melhoraram com a mudança. Decidimos voltar, sem dinheiro, uma vez que meu pai tinha, como numa paráfrase da música de Renato Teixeira, investido, perdido e desistido de muita coisa.

Sem onde ficar, fomos os seis morar com os nossos avós maternos, na cidade de Santa Luzia. Daí vem a lembrança forte do rádio, um companheiro inseparável dos donos da casa, e da Itatiaia, única rádio tocada de domingo a domingo.

Meu avô tinha o radinho dele, que ia para onde quer que ele fosse, seja para o quarto, banheiro, para a garagem, espanar o fusca que minha avó ganhou um jogo do Programa Silvio Santos ou para a “venda”, como chamávamos o comércio que ele tinha na parte alta da cidade.
Minha avó não saía de casa. Tinha uma dificuldade para andar mas, mesmo assim, ficava de um lado para o outro na casa, se apoiando em móveis, devido às suas pernas bem curvadas. Ela era daquelas que cortava lenha no quintal, com uma finca, para colocar no fogão que tinha em casa. Todos os dias tinha o que fazer, de bolos, biscoitos variados – tinha um chamado “rabo de gato”, uma rosquinha de nata, do leite entregue na porta – a doces como “amor em pedaços” e ambrosia, o meu predileto e que ela fazia todos os anos como presente pelo meu aniversário.

Ambos dormiam cedo demais, por volta das 19h. Minha avó acordava às 3h da manhã para rezar. A cena mais marcante que tenho é dela, minha vó Luiza, com um copo de água em cima do rádio, rezando às 18h uma oração pela Itatiaia. A água estava “benta”, como falávamos.
Aquele sinal que marca um quarto de cada hora em cada programa da rádio também é parte da minha lembrança. O meu avó Jair adorava os jogos e ambos acompanhavam casos de polícia com “Glória Lopes”.

Numa só semana fui à Rádio Itatiaia duas vezes, gravar sobre um projeto que criamos para servir de companheiro dos idosos em tempos de Pandemia, principalmente àqueles que vivem em Instituições de Longa Permanência para Idosos. 

Na primeira vez, recebido na portaria pelo Marcelo, que controla a entrada, fui até o estúdio e a entrevista foi com o Eduardo Costa, que abraçou a campanha e gravou um poema e uma música, a pedido da amiga Larissa Carvalho.

No outro dia a entrevista foi maior, 30 minutos conversando com três mulheres fortes, as jornalistas Alessandra Mendes, Fernanda Rodrigues e Mônica Miranda.

Minha mãe ouviu a entrevista e postou num grupo de amigos: “foi a melhor entrevista que ouvi”. Eu não resisti e postei logo abaixo: “adoro opiniões imparciais”. Feliz da minha mãe ter ouvido, mas fiquei imaginando a minha avó, com o rádio na bancada da cozinha, e meu avô, sério, com o volume do rádio numa altura, ouvindo seu neto no seu escritório do quarto, por esse meio que pode e é tão útil e afetivo chamado de rádio, o companheiro fiel de muitos idosos.
 

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