Que é ser voluntário?

26/08/2021 às 15:51.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:45

Era o nosso primeiro dia no Lar Tereza de Jesus, instituição que abriga temporariamente crianças e adultos em tratamento de câncer em Belo Horizonte, vindos de diversas cidades mineiras e até de outros Estados.

A nossa ideia, então, foi a de levar os nossos voluntários numa visita durante a semana, já que alguns pacientes são liberados para voltarem aos fins de semana para as suas cidades. O projeto foi batizado de “grandes olhos”, que é o nome de um filme que conta a história da pintora norte-americana Margaret Keane, de grande talento, mas que tinha suas obras e a fama atribuídas ao marido. A reviravolta em seu caso nos dá exemplos de força e persistência.

Ao chegar numa casa de esquina da avenida do Contorno, em BH, três crianças e suas mães nos esperavam. As meninas tinham sido avisadas no dia anterior de que aquela ação aconteceria e, por isso, estavam ansiosas. Todas queriam receber esses cuidados de beleza que estávamos levando.
Todas aquelas crianças tiveram um câncer que levou à perda de uma das suas pernas. Na hora em que a nossa manicure perguntou se poderia pintar as unhas do seu pé, uma delas, a maiorzinha, fez um pedido: será que poderia pintar as unhas da prótese que ela usava?

As mães das crianças, além das próprias garotinhas, tinham um carinho entre si e isso se estendeu a todos nós. Nossas voluntárias trocaram contatos e fomos embora. Dias depois recebemos a notícia do falecimento de uma dessas meninas, por uma postagem feita pela própria mãe, para quem eu mandei uma mensagem desejando força. Nesse momento, em que não há muito o que falar, é preciso só que a pessoa entenda que não está sozinha. Ao menos em oração ou no desejo de que a família tenha serenidade para se acostumar com essa ausência física de uma filha.

Gláucia Tavares, especialista em luto, diz que uma perda não se supera, pois é uma perda, mas é necessário viver o luto e viver a vida, já que uma compreende a outra.

Na mensagem que enviei, a mãe me contou que estava fazendo uma “vaquinha” para conseguir pagar o jazigo da filha. Ela disse que não a deixaria ali, no chão, sem uma placa que a identificasse, que a homenageasse. Dias mais tarde ela conseguiu o dinheiro e realizou a homenagem. 

O dia 28 de agosto é bem simbólico para o social, pois é reservado para se comemorar o Dia Nacional do Voluntariado. Quando me perguntam, em palestras ou entrevistas, qual é a história de mais impacto que vivi no voluntariado, eu poderia contar diversas outras, pois cada ser humano é uma experiência de vida que não vamos ter. Mas a história do amor daquela criança e da sua mãe, o sorriso e seu encanto ainda vivem em minha mente.

Quando as voluntárias me comunicaram sobre a sua morte, eu estava num aeroporto. Ali eu parei e chorei. Depois disso, o que me veio foi aprendizado: sobre a nossa finitude, sobre aproveitar o tempo e ter presença e consciência plenas naquilo que se vive, no abrir-se para aprender com as situações e no entender os nossos próprios limites.

A vida nos burila, involuntariamente. Transformar-se, voluntariamente, para assim gerar transformações, essa é a essência do que fazemos e que vai além de doar alimentos ou visitar abrigos.

Ações assistenciais são a pontinha do iceberg de uma transformação social que tanto queremos. São necessárias, pois precisamos das pessoas vivas, alimentadas, saudáveis se quisermos evoluir com elas para outras etapas. 

Debaixo de uma névoa de invisibilidade, mas com uma expressividade imensa, existem as ações relacionais, de atenção às pessoas que mais precisam, seja numa conversa, numa visita, numa acolhida ou algo assim. Porém, também precisamos de, ao alimentar e acolher, ajudar as pessoas a se desenvolverem. 

Rubem Alves diz que “des envolver” significa tomar uma distância da situação para melhor entendê-la, criticá-la e, assim, promover atuar sobre elas. Isso serve para todos nós.

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