Sobre o perdão e a empatia

18/03/2021 às 20:15.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:27

“Meu sonho é morrer (...)”, diz a criança que vive na rua, no dia em que os seus colegas, também abandonados, fazem um pedido antes de um deles soprar as velas do bolo de aniversário. Essa é a cena do filme “Filhos de Istambul”, que choca, faz a gente pensar um tanto de coisa e derramar lágrimas diversas vezes.

Em um outro momento, outro garoto órfão justifica que aceitou cheirar cola porque os colegas de rua disseram que assim ele conseguiria ver a mãe novamente, que poderia reencontrá-la, o que o fez inalar a substância numa esperança de realizar o seu maior sonho.

A minha ideia aqui é falar sobre empatia, mas preciso trazer alguns pontos antes.

Nessa nossa caminhada pela vida, há muitas coisas que teoricamente parecem simples. Discutia isso com a minha mãe um dia desses, que quando estudamos sobre o perdão, por exemplo, fica tão fácil entendê-lo. Perdão é algo para além de profético. Quando citado por Cristo, torna-se até mesmo poético, como em Mateus 18:22, em que respondendo ao Apóstolo Pedro, que o perguntou se deveria perdoar até sete vezes, Jesus respondeu: “Eu digo a você: Não até sete, mas até setenta vezes sete.”

Não tenho dúvidas de que o perdão alivia a nossa carga pelo caminho. Aldous Huxley, no prefácio de “Admirável mundo novo”, nos dá uma sacudida nas primeiras linhas da sua obra: “espojar-se na lama não é a melhor maneira de ficar limpo”. Porém, nos depararmos com uma situação real, em que se deva colocar o perdão em prática, já é outra história. 

Ainda na conversa com a minha mãe, dizíamos quanto nos enganamos achando que somos empáticos. Olhamos para situações e pessoas de maneira enviesada, cheios das nossas limitações e vícios, porém confiando que somos os “doutores da empatia”. Achamos que estamos nos colocando no lugar do outro quando vemos neles pontos que existem em nós, como o medo, a coragem, o abandono, a culpa, a inquietude, mas, na verdade, não estamos vendo senão a nós mesmos.

Isso é se identificar com o sentimento do outro. A empatia é um passo a mais. Não é reconhecer no outro algo que carrego em mim, mesmo que às escondidas, mas é aprender um novo alfabeto, parecido com o que eu conheço, no entando diferente em cada pessoa. Jacob Levy Moreno, médico e filósofo, criador do Psicodrama, nos conduz a essa reflexão fortíssima sobre a empatia:
“Encontro de dois.
Olho no olho.
Cara a cara.
E quando estiveres perto
eu arrancarei
os seus olhos
e os colocarei no lugar dos meus.
E tu arrancará
os meus olhos
e os colocará no lugar dos teus.
Então, eu te olharei com teus olhos
e tu me olharas com os meus.”

Muitas pessoas que iniciam no voluntariado o fazem ou por terem passado por situações de privação e dor similares às causas que querem abraçar ou por viverem o incômodo de olhar ao redor e não se contentarem de simplesmente lamentar. Fazer o que é certo não nos torna bondosos, mas nos dá a chance de sermos justos. Sermos empáticos, sim, nos ajuda na construção da bondade.

Há poucos dias fui a uma casa de acolhimento desenvolver uma atividade com os adolescentes. Na informalidade um deles fala que procurou o Conselho Tutelar por conta própria, pois ele precisava sair de casa, já não aguentava mais ser violentado fisicamente pelos pais. Ele disse que foi no abrigo que ele conseguiu dormir. Mas ainda se pergunta o porquê de os pais não gostarem dele.

Por coincidência, estava lendo “Oliver Twist”, do Charles Dickens, que conta a história de um menino cuja mãe morreu no parto e ele foi parar num assustador lar para órfãos de uma paróquia, lugar em que não havia amor, dignidade e respeito. Twist encontra uma família, mas nem tudo é tão simples. Aliás, diga-se de passagem, a obra de Dickens traz muitas histórias sobre órfãos, como no livro David Copperfield e em Grande Esperanças. Os seus escritos têm uma crítica social contundente.

Vemos tantas crianças e adolescentes que precisam de quem os escute e tente entender que indivíduo é aquele que está ali, muito além do que está diante de nós. 

  

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