Tempo de liberdade

18/02/2021 às 20:48.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:12

Alejandro Jorodowsky é uma daquelas pessoas de mil talentos que têm a destreza de fazer com bastante afinco tudo a que se dedica, talvez pela inteligência bem aguçada ou por seu espírito inquieto. No ano passado ele resolveu ofertar um curso gratuito de Tarot, sem interesse de vender algo complementar ou ganhar projeção com isso. 

Aos 92 anos, bem ativo em seu trabalho, recentemente ele citou uma frase do Nobel de Literatura, o irlandês George Bernard Shaw, que tem me proporcionado bons estudos: “A vida não é encontrar a si mesmo, mas criar a si mesmo”.

É do Jodorowsky uma das frases que uso com frequência em palestras e aulas: “os pássaros nascidos em gaiolas acreditam que voar é uma enfermidade”. E, como não poderia deixar passar, ele ainda acrescenta: “o ego é uma gaiola sem pássaro, que acredita ser um pássaro sem gaiola”.

O tema liberdade é querido por muitos escritores e filósofos. Em 2006 o jornalista Christopher Hitchens, num posfácio do livro “A revolução dos bichos”, do brilhante George Orwell, finaliza sua análise assim: “o que o romance na verdade nos diz, com seus amenos empréstimos de Swift e Voltaire, é que aqueles que renunciam à liberdade em troca de promessas de segurança acabarão sem uma nem outra”. Tratava ele de uma das grandes obras de Orwell, que usa os animais de uma fazenda para nos deixar uma mensagem inquietante.

Liberdade e voo têm sempre suas associações poéticas e filosóficas. Como diz a equipe da Vento Norte Paraglider, “o maior sonho da humanidade é voar”. Em seu site a empresa, que há mais de 20 anos se dedica ao voo livre, traz informações sobre o esporte, mas foi através deles que encontrei um texto do livro “Religião & Repressão”, editado em 1979, em que Rubem Alves cita o escritor e jornalista russo Fiódor Dostoiévski.

Rubem Alves diz que “de tudo o que Dostoiévski escreveu em “Os irmãos Karamazov”, o que mais me impressionou foi o relato sobre o “Grande Inquisidor”. Jesus havia voltado à terra e andava incógnito entre as pessoas. Todos o conheciam e sentiam o seu poder, mas ninguém se atrevia a dizer o seu nome. Não era necessário.

O Grande Inquisidor o observava de longe, no meio da multidão, e ordena que ele seja preso e trazido à sua presença. Então, diante do prisioneiro silencioso ele profere a sua acusação.

- Não há nada mais sedutor aos olhos dos homens do que a liberdade de consciência, mas também não há nada mais terrível. E em lugar de pacificar a consciência humana de uma vez por todas, mediante sólidos princípios, tu lhes ofereceste o que há de mais estranho, de mais enigmático, de mais indeterminado, tudo o que ultrapassava as forças humanas, a liberdade”.

Agiste, pois, como se não amasses os homens. […]Em vez de te apoderares da liberdade humana, tu a multiplicaste e, assim fazendo, envenenaste com tormentos a vida do homem, para toda a eternidade…

O Grande Inquisidor estava certo. Ele conhecia o coração dos homens. Os homens dizem amar a liberdade, mas de posse dela, são tomados por um grande medo e fogem para abrigos seguros. A liberdade dá medo. Os homens são pássaros que amam o voo, mas têm medo dos abismos. Por isso abandonam o voo e se trancam em gaiolas. (...)”

Mas Rubem Alves não acaba assim essa crônica, que foi publicada no Correio Popular, em 2005. Quase no finalzinho ele diz: “Deus dá a nostalgia pelo voo, as religiões constroem as gaiolas”. 

O teólogo e filósofo Frédéric Lenoir, em seu excelente livro “Pequeno tratado de vida interior”, diz que “Buda, Sócrates e Jesus concordavam que o homem não nasce livre, mas se torna livre ao sair da ignorância”, o que não deixa de ter consonância com a frase de George Bernard Shaw, citada acima pelo Jodorowsky.

  

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