Tempo de oportunidade

11/02/2021 às 19:10.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:09

]A mitologia grega fala sobre Cronos, um titã filho de Gaia (Mãe Terra) e de Urano (deus do Céu). Em uma simbologia muito forte, Cronos devora todos os seus filhos, engolindo-os por completo, para que nenhum deles possa competir pela atenção e amor da sua esposa Reia.

Pois não é que a Reia, infeliz com o destino dos filhos, pede a ajuda à sua mãe e trama contra Cronos, entregando em suas mãos uma pedra no lugar de Zeus, o filho recém-nascido do casal, que salvo da famigerada ação do pai, vai se refugiar na ilha de Creta. O titã Cronos, implacável até com os filhos, é o deus do tempo. Esse tempo linear, que corre, passa e a tudo devora. 

Hoje nós usamos uma só palavra para significar a noção de “tempo”, porém os antigos gregos tinham duas palavras para tal função: chronos e kairós. Enquanto o primeiro refere-se ao tempo cronológico ou sequencial, esse que falamos que pode ser medido, de natureza quantitativa, Kairós possui natureza qualitativa, o momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece: a experiência do momento oportuno. Na teologia, Kairós serve para descrever a forma qualitativa do tempo, também sendo chamado de o “tempo de deus”.

Assim, quando estamos vivenciando momentos tristes, parece que o tempo diminui sua sagacidade, a sua velocidade, ao passo que nas alegrias e felicidades, ele aparentemente acelera e a gente não o vê passar. Falamos que o tempo voa nesses momentos de júbilo.

Na verdade, o tempo da natureza continua certinho: o nascer e o pôr do sol, por exemplo, continuam seguindo o seu ritmo. Nós é que estamos passando muito rápido pelo tempo. Aqui cabe uma reflexão de um dos mais célebres advogados romanos, o filósofo estoico Sêneca (4 a.C.), quando diz que não temos exatamente uma vida curta, mas desperdiçamos uma grande parte dela. Ele afirmava que somos gastadores de tempo.

Sêneca diz que se a vida for bem empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para a realização de importantes tarefas. Ao contrário, se ela for “desperdiçada no luxo e na indiferença, se nenhuma obra é concretizada, por fim, se não se respeita nenhum valor, não realizamos aquilo que deveríamos realizar, sentimos que a vida se esvai”, afirma e continua: “desse modo não temos uma vida breve, mas fazemos que seja assim”.

O grande poeta Virgílio (70 a.C.) havia escrito que “pequena é a parte da vida que vivemos”, no que o próprio Sêneca, anos depois, completou: “pois todo restante não é vida, somente tempo”.

Essas reflexões sugerem que nem todo tempo que vivemos é vida. A vida é uma força interna que nos conecta à natureza profunda das coisas, que nos faz identificar e criar sentido, que nos vincula favoravelmente a algo. São momentos específicos em que nos sentimos parte do todo e conseguimos colocar o coração, sinônimo de consciência, naquilo que escolhemos fazer. A natureza intrínseca das coisas são as virtudes, que quando escolhemos dedicar mais tempo a elas estamos, também, colocando mais vida ao nosso tempo.

Santo Agostinho diz que o passado não existe mais, o futuro ainda não chegou e o presente torna-se pretérito a cada instante. O passado existe, por força de minha memória, no presente. Da mesma forma, o futuro existe, por força da expectativa de que as coisas ocorrerão, no presente. E o presente seria a percepção imediata do que ocorre. 
E esse que é um dos mais importantes filósofos e teólogos do Cristianismo ainda afirma que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das coisas futuras e presente das coisas presentes. 

Analisando o pensamento de Agostinho, o professor doutor Marcelo Carbone Carneiro diz que o tempo é subjetivo, pois o modo como nos referimos às coisas depende totalmente de elementos internos (memória, expectativa, sentimento etc). 

O que nos traz de volta o conceito de Kairós, aquela figura da mitologia grega de que falamos aqui, conhecido por ser muito veloz, ter asas em seus pés, ser careca, possuindo apenas um longo topete. Quando atravessa a nossa existência, se não se consegue segurá-lo por esse tufo de cabelo, ele some rápido. Esse é o tempo oportuno, que passa algumas vezes sem nem ser percebido, pois as reclamações, culpas e desculpas podem nos provocar uma sonolência, fazendo-nos inertes quando o tempo, cronológico ou oportuno, segue o seu caminho.

  

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