Tristeza silenciosa

06/05/2021 às 15:53.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:52

 Em meio às diversas palestras que eu tinha agendado naquele determinado mês, em um ano já longínquo, uma me chamou ainda mais a atenção. Falei para jovens de uma instituição que atua com aprendizes sobre os desafios que temos na vida, assim como os sofrimentos, mas abordando a minha busca pessoal por uma causa que desse sentido à minha vida. Falei um pouco da ditadura da felicidade e da perfeição, a que a sociedade nos cobra e por aí vai.

Quando finalizo a minha fala, presencial, geralmente vêm algumas pessoas conversar ou fazer algum relato de sua própria experiência. Um grupinho me deteve, conversou, abraçou, tirou foto e ficou por ali mais um pouco. Ao lado, uma jovem esperava a sua vez, num canto.

Quando o grupo se foi, ela tomou a iniciativa de me perguntar: “você falou sobre suicídio foi para mim?” Eu logo respondi que não, já que não a conhecia e nem à sua história. Mas percebi que ela estava ali, no cantinho, sentada durante a palestra, de capuz, puxando as mangas da blusa de frio insistentemente, num ambiente em que todos pareciam sentir muito calor.

Perguntei àquela jovem o porquê da pergunta e ela apenas levantou as mangas da blusa, expondo os braços cheios de cortes, já cicatrizados. No mesmo instante eu perguntei, num susto, se ela havia tentado o suicídio tantas vezes assim e foi ela quem me ensinou: “você acha que isso é uma tentativa de me matar? Não, isso aqui é a forma que eu tenho de passar ‘pra cá’ (apontando o braço) a dor que eu sinto aqui (apontou para o peito)”.

Aquilo me deixou pensativo demais. Vi o alívio dela só de ter contato e agradeci a confiança. Para ela deve ter sido uma batalha interna esperar todos saírem para, finalmente, poder conversar sobre aquele assunto comigo.

Mais recentemente, já em salas virtuais, numa palestra mais curta em uma dessas plataformas digitais, estava falando novamente para um grupo de jovens, anos depois daquela história ocorrida presencialmente. Fui apresentado ao grupo, discorri sobre o meu tema e, ao final, os jovens tinham ainda mais uma hora e meia para ficarem reunidos com os seus educadores. Então, me perguntaram se eu poderia responder a algumas perguntas.

Cada microfone que se abria era uma aula para mim. Nas dúvidas deles, de sua própria existência, nos relatos de tentativas de autoextermínio e automutilação, na falta de um sentido na vida, na angústia de terem que se isolar, nos problemas com a família. Alguns outros jovens escreviam no “chat” mensagens como “conte comigo”, “se precisar conversar, estou aqui”.

Percebi que esse sofrimento a que alguns chamam de mental, mas que por soar pejorativamente para tantos, já que culturalmente nos explicaram que isso é “coisa de louco”, muitos não sabem nem dar nome ao que sentem.

Essa mistura de ansiedade pelo futuro, angústia pelo presente e saudade depressiva do passado, que não é só isso, logicamente, tem outros componentes aí, deve realmente ser tratado com a ajuda de profissionais, médicos, psicólogos, psiquiatras, sem esse estigma de que “agora enlouqueci”. A tristeza, como bem descrito na literatura científica, e bem traduzida no filme “Divertidamente”, é um sinalizador de que alguma coisa que não está bem. Devemos buscar entender esse alerta.  Mas, quando ela é persistente e profunda, há de que buscar uma ajuda e não há demérito algum nisso.

Fiquei feliz com o relato de que alguns buscam o Cersami – Centro de Referência em Saúde Mental Infanto-Juvenil e elogiam as atividades que ali são desenvolvidas, assim como me animou ver a disposição dos jovens em se ajudarem, muitas vezes sem se conhecerem pessoalmente, já que a base de relacionamento deles nesse programa educacional é virtual.

No entanto, preocupam-me os dados de depressão pelo mundo afora. Uma pesquisa recente, realizada nos EUA a pedido de uma empresa de seguros, com pessoas nascidas entre 1990 e 2010, revelou que 48,3% das crianças e jovens se sentem sós ou isolados. Assim como um relatório anterior a essa pesquisa, apresentado no Fórum Econômico Mundial da Suíça, em 2019, escancarou um dado alarmante: cerca de 700 milhões de pessoas no mundo sentem problemas atribuídos à saúde mental.

Estamos adoecendo, cada vez mais rápido, e ainda estamos nos acostumando com isso, o que é inaceitável.

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