Um novo mundo para os nossos filhos

09/12/2021 às 20:11.
Atualizado em 14/12/2021 às 00:37

Ao criar o Tio Flávio Cultural, um movimento voluntário que completa onze anos agora em dezembro, eu não tinha noção de que cresceríamos tanto e envolveríamos tanta gente, seja como voluntário ou aqueles que recebem e interagem conosco. 

Hoje estamos presentes, com atividades planejadas, em instituições de longa permanência para idosos, casas de acolhimento para crianças e adolescentes, hospitais, instituições de apoio a pessoas em tratamento de câncer, escolas públicas, projetos de jovens aprendizes, albergues e repúblicas para a população de rua e, também, Apacs, unidades socioeducativas para adolescentes em conflito com a lei, presídios e penitenciárias.

Ao lidar com pessoas privadas de liberdade, por exemplo, temos acesso a realidades bem distintas, mas que em algum ponto se ligam à minha. E não estou falando somente em relação aos que ali cumprem pena, não. Falo dos servidores, que estão à frente das atividades administrativas, de segurança e de atendimento aos custodiados nas áreas de saúde, educação, jurídico, trabalho, assistência social, etc.

Por algum tempo fiquei refletindo: além da condição humana, há algo que liga a todos nós? Bem, provavelmente mais do que eu imaginava, mas uma coisa que me tocou foi a relação das pessoas, servidores ou presos, com as suas famílias e vice-versa. Família tem um peso muito grande nessas relações e é isso, em parte, que me liga a eles também.

Há servidores que entram em uma unidade prisional às 7h da manhã e só saem 24 horas depois, sem notícias de casa, num trabalho que exige muita atenção e lida com muita tensão durante todo o expediente.

Ao deixarem o serviço, essas pessoas pegam o seu transporte e voltam para casa, abraçando os seus filhos, saudando os seus pais, brincando com os seus animais de estimação, conversando com os vizinhos, estando com as esposas e maridos e por aí vai.

Foi a partir dessa reflexão que tive a ideia de pedir aos servidores que escrevessem uma redação, que chamei de “carta para um filho”, em que eles pudessem contar aos seus filhos, reais ou fictícios, tudo que eles teriam vontade. 

Confesso que, de certa forma, me inspirei num filme bem emocionante chamado “O caderno de Tomy”, pelo fato de deixar para o filho relatos que eternizariam aquela mãe.

Uma das cartas que mais emocionou a quem leu foi a do Policial Penal Douglas Miranda Schettini de Souza, que transcrevo abaixo:

“Querido filho, 

Espero que você esteja bem ao receber esta carta. Sei que as coisas não estão fáceis, a competitividade exagerada da sociedade contemporânea, além da pandemia, acaba nos afastando dos laços familiares; e diante de tantos obstáculos que enfrentamos diariamente, tomamos decisões que não nos orgulhamos e que machucam as pessoas que amamos. Mas tudo isso faz parte do processo de aprendizagem e amadurecimento: se você cair, levante-se! 

Nunca desista de lutar pelos seus sonhos! A vida é assim, meu filho, é um vai e vem constante de altos e baixos, um quebra-cabeça difícil de resolver.

Uma história imprevisível cheia de contratempos.

Nos últimos tempos, eu mudei a forma de como enxergar a vida. Quando você era mais jovem, eu me preocupava única e exclusivamente em trabalhar, em crescer profissionalmente e tinha pouquíssimo tempo para você e toda família, não cumpri com o meu papel de pai, te aconselhando e dando broncas no momento necessário, a minha ambição me afastou de você e agora estamos afastados por força maior. Tem coisas que só aprendemos com o tempo, não é mesmo?

Atualmente, aqui no bairro mesmo, eu ajudo jovens que eram como você, cheios de vida e alegria, com um futuro brilhante pela frente, que necessitavam de presença paterna, e não tinham em casa, seja por diversos motivos. Acredito que desta vez poderei fazer diferença na vida dessas crianças e adolescentes e me redimir pela ausência paterna que eu tive com você.

Pois bem, aguardo seu retorno, filho, quando sair da prisão”.

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