A esperança que vem do Chile

19/05/2021 às 20:56.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:58

O Chile concluiu no último final de semana uma complexa eleição, que elegeu os prefeitos municipais, escolheu pela primeira vez de forma direta e em dois turnos os governos regionais e deu poderes a uma Assembleia Nacional Constituinte, encarregada de redigir uma nova Constituição e enterrar de uma vez por todas os entulhos autoritários e ultraliberais advindos da ditatura Pinochet. Essa ampla consulta marcou o avanço das forças democráticas e o declínio dos conservadores, apoiados pelo atual presidente do país Sebastián Piñera. Após quatro décadas, o povo chileno tem agora a oportunidade de redigir uma Carta Magna que lhes garanta direitos sociais, soberania e desenvolvimento.

Ao contrário do Brasil, em que para uma parcela da população o comunismo ainda sofre preconceitos e discriminações, no Chile o Partido Comunista e um conjunto de outras forças democráticas alcançaram uma expressiva vitória nas últimas eleições. A coalizão “A Puebro Dignidad” composta pelo partido Comunista, pela Frente Ampla e por outros setores progressistas, obteve 28 cadeiras na Assembleia Nacional Constituinte. Outra aliança, a “Lista Del Apuebro”, apoiada pela ex-presidente socialista Michelle Bachelet, alcançou outras 25 cadeiras. Além dessas duas coalizões, os “independentes”, sem vinculações partidárias, elegeram outros 48 representantes. Ou seja, das 155 cadeiras da Assembleia Constituinte eleita, 100 serão ocupadas por setores progressistas e de esquerda. A direita elegeu apenas 37 representantes dos 52 pretendidos. A capital Santiago será governada por Irasí Hassler, do partido Comunista, assim como a maioria dos governos regionais que foram para o segundo turno, tem nas forças de esquerda e de centro-esquerda os principais favoritos.

Tanto o crescimento dos setores democráticos, quanto o enfraquecimento das forças de direita estão intimamente ligados ao esgotamento das políticas neoliberais aplicadas no Chile desde a ditadura militar, época em que o país serviu como uma espécie de laboratório para a aplicação dessas políticas econômicas. A propalada liberalização econômica dos anos 80 e 90 serviu para aprofundar as desigualdades sociais e a perda de direitos antes conquistados, quadro que se agravou nos últimos anos. As grandes manifestações corridas em 2019, que começaram com os protestos contra o aumento das tarifas do Metrô e que em seguida serviram de desaguadouro para uma série de outras reivindicações políticas e sociais, como a convocação do plebiscito que foi realizado em 2020, cuja a elaboração de uma nova constituição foi aprovada com mais de 80% dos votos, ecoando como um grito contra uma época obscura que precisava ser enterrada definitivamente pelo povo chileno.

O contundente repúdio às políticas neoliberais expressados nas urnas pela população do Chile, deveria servir de exemplo para o Brasil. O ministro da economia Paulo Guedes, defensor das políticas implementadas por Pinochet, tem agora uma prova cabal de quão falhas e ineficientes são essas políticas que pretendem liquidar os estados nacionais e submetê-los integralmente à lógica do mercado. Aquele modelo no Chile não deu certo porque o Estado forte só existia para reprimir fisicamente a oposição e garantir benesses aos mais ricos, enquanto os pobres, quase sem direitos e proteção social, eram arrochados e seguiam com liberdade limitada e, sobretudo, sem o direito de escrever a constituição de seu país.

O Chile teve uma das mais violentas e longevas ditaduras da América do Sul e não procurou apagar o seu passado sombrio, ao contrário, desnudou sua história para extrair lições com os erros e evitar novos retrocessos. Ao contrário do Brasil, procurou ensinar as novas gerações o valor da democracia e de suas instituições, para que nunca mais corra o risco de outros golpes ou processos democráticos. Que esses ventos de mudança alcancem toda a América do Sul.

  

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