Alguns anos atrás me surpreendi com a mensagem na porta do banheiro em um restaurante com a frase: USE O DEFICIENTE.
A frase truncada se referia ao fato de que o banheiro estava com defeito – como acabei percebendo depois – e era, portanto, apenas uma orientação para que fosse utilizado o banheiro adaptado às pessoas com deficiência. Não imaginava que, anos depois, a frase esdrúxula pudesse receber uma aplicação efetiva e criminosa.
Com a retirada dos ambulantes do centro da cidade, permanece a autorização prevista no Código de Posturas da cidade para que pessoas com deficiência possam atuar como ambulantes na cidade, medida implantada há um ano com o objetivo aparente de oferecer uma oportunidade diferenciada de atividade econômica a esse grupo. Essa política de igualdade afirmativa, ainda que de resultados questionáveis, era, obviamente, destinada a esse grupo que sofre discriminação social e profissional, até para que a exploração de suas condições fosse evitada. Era conhecida a estratégia de alguns, por exemplo, que, criminosamente, postavam pessoas com deficiência em pontos da cidade para atuação como pedintes, com o fim de obter ganhos pessoais às custas do sofrimento alheio.
Nos últimos dias, contudo, o que se viu foi a retomada da exploração dessas pessoas, que estão sendo obrigadas a, literalmente, “alugar” a deficiência para viabilizar a permanência de alguns camelôs no centro.
Recebi denúncias de que há pessoas com deficiência recebendo R$ 10 por dia para ficar na rua ao lado de ambulantes que veem neles o seu alvará de funcionamento sobre a calçada...
É uma nova forma de exploração, tão criminosa quanto a anterior, na conversão de pessoas que já têm grandes dificuldades em mendigos, de modo a lhes subtrair a possibilidade de desenvolver por si as atividades.
Conversas que tive com a fiscalização confirmam que multiplicou-se o número de pessoas com deficiência nas ruas, na última semana, e que vários deles não são sequer moradores de BH – ou seja: estão alugando e importando deficiência na cidade.
Quando falam em violação de direitos humanos, em regra, imaginamos mortes e tortura – mas é importante dizer que a redução de uma pessoa em objeto, em coisa, que possa ser alugada como se não possuísse vontade ou capacidade, é uma violação tão grave quanto qualquer outra.
A questão é mesmo muito grave e já ensejou a convocação de uma Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos, que ocorrerá no dia 9 de agosto, às 10h, na Câmara Municipal.