Guilherme da CunhaAdvogado pós-graduado em Direito Tributário e deputado estadual, coordenador da Frente Parlamentar pela Desburocratização

A normalização do absurdo

Publicado em 26/12/2022 às 15:25.

Há uma prática bastante comum na Assembleia de Minas, e possivelmente em vários outros parlamentos no Brasil, que me causa ojeriza: a modificação de projetos em cima da hora da votação, transformando-os em algo totalmente diferente, sem nenhum debate.

Normalmente, essas mudanças são feitas para contrabandear medidas impopulares para dentro de projetos simpáticos ou de baixa visibilidade. Em geral, são fruto da soma de um grupo organizado em busca de mais recursos públicos para seus bolsos e de deputados em busca de mais votos fazendo agrado para uma base específica (às custas de todos os demais).

O contrabando legislativo é feito via emendas na comissão de segundo turno, às vésperas da votação, mudando profundamente projetos que já foram debatidos com outro texto em pelo menos duas comissões e no plenário em primeiro turno.

Foi assim que o aumento do valor do terço de férias dos juízes e desembargadores foi parar dentro de um projeto que em primeiro turno tramitou como extinção de um penduricalho declarado inconstitucional. Que a autorização para juízes e desembargadores aumentarem os próprios salários foi parar dentro de um projeto que tratava sobre organização de cartórios. Que tentaram incluir em um projeto que tratava sobre IPVA uma modificação de área de monumento natural para permitir a mineração na Serra da Moeda, dentre outros tantos exemplos.

Essas modificações são mais comuns às vésperas dos recessos legislativos, quando muitas votações se acumulam. Duas estão ocorrendo nesse exato momento.

A primeira, para transformar uma proposta de emenda à Constituição que apenas incluía a sustentabilidade como um dos princípios da administração pública em um projeto para dobrar o valor das emendas parlamentares, tirando dinheiro do tesouro estadual para aumentar o que fica sob controle dos deputados. É a PEC 6/2019.

A segunda, para incluir em um projeto que trata sobre tributação de vinho e fundo de erradicação da miséria um aumento nas gratificações pagas a auditores fiscais e técnicos fazendários. É o PL 3998/2022.

O próprio método utilizado tem cheiro de coisa errada. Se o parlamento é a casa do povo, o espaço do diálogo e dos debates, empurrar benefícios ou penduricalhos específicos para os amigos do poder na surdina e burlando a transparência e o debate acaba sendo um ataque ao parlamento e à democracia em si.

Afinal, se as ideias inseridas de última hora são boas, por que não as debater em um projeto próprio, com todos os trâmites legais?

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por