Guilherme da CunhaAdvogado pós-graduado em Direito Tributário e deputado estadual, coordenador da Frente Parlamentar pela Desburocratização

E agora, Pacheco?

Publicado em 21/11/2022 às 06:00.

No último dia 12, o Judiciário, em decisão do Ministro Alexandre de Moraes (sempre ele!) na Pet 10.685/DF, cruzou importante e inadmissível fronteira: a aplicação de restrições de direitos não por atos praticados, mas por supostas intenções.

O ministro determinou o bloqueio de contas bancárias de 43 pessoas e empresas por ter notícias de que veículos de suas propriedades se dirigiam a Brasília para promover bloqueios de rodovias.

A decisão prejudica profundamente a vida dos atingidos, impedindo o pagamento de impostos, fornecedores e funcionários, no caso das empresas, e de supermercado, medicamentos e os boletos que vencem todo mês, no caso das pessoas.

Uma medida grave como essa exige fundamentação robusta, algo que demonstre de forma clara a existência ou preparação de atos ilegais, que não deixe dúvidas sobre a participação de cada um. Não foi o que aconteceu.

O processo tramita em sigilo e é impossível saber quem fez o pedido ou quais provas o acompanharam, mas tive acesso à decisão e ela não menciona nenhuma prova de que o bloqueio das rodovias ocorreria ou que seria um ato ordenado pelos 43 atingidos, apenas se referindo às supostas “notícias” como fundamento decisório, sem sequer dizer quais notícias ou apontar sua fonte.

Ainda que revestida de boas intenções, o que é duvidoso, a decisão foi danosa e descumpriu requisitos constitucionais e legais de fundamentação de decisões judiciais que são, eles próprios, garantias do Estado de Direito que se supõe era o que o ministro queria proteger.

Em fevereiro do ano passado lancei o alerta, aqui nesta coluna, sobre o risco que o Judiciário vinha assumindo na “defesa da democracia” de se tornar, ele próprio, a ameaça à democracia. O fiz citando Nietzche, cuja obra, “Para além do bem e do mal”, deu título à coluna, e sua frase de que “aquele que luta contra monstros deve acautelar-se para não se tornar também um monstro”. Passados quase dois anos, é triste constatar que esse acautelamento não ocorreu e que hoje o monstro maior a ameaçar o Estado de Direito é o Judiciário que deveria ser seu guardião.

Aproveito para repetir o parágrafo com o qual concluí aquele texto, que segue tristemente atual: “Que combatamos o autoritarismo sempre, mas sempre atentos a não utilizarmos nós mesmos das ferramentas do mal que desejamos combater. Agir à margem da lei, igual ao oponente, mesmo que para puni-lo, significa que ele já venceu e que o caminho que ele defendia é o que será usado daqui por diante. Hoje, contra ele. Amanhã, contra qualquer um de nós”.

Somente o Senado, fazendo o impeachment do ministro que se perdeu no personagem, pode evitar que esse “qualquer um de nós” vire realidade. Finalizo parafraseando Drummond: E agora, Pacheco?

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