Perspectiva RacialUm espaço para mostrar como o racismo se revela no cotidiano, a fim de que toda a sociedade compreenda a importância de se engajar nessa luta. Andreia Pereira é doutora em Literatura (UnB), servidora pública federal, jornalista, professora, pesquisadora e palestrante.

Os negros na história de Montes Claros

Publicado em 14/07/2022 às 21:35.

No mês de julho, tradicionalmente, comemora-se o aniversário da cidade de Montes Claros, no Norte de Minas, a aproximadamente 400 km de Belo Horizonte. Estudiosos questionam a data, afirmando que, na verdade, o município teve sua emancipação político-administrativa em 16 de outubro de 1832, e não em 03 de julho de 1857. Analisando as datas, o que, de fato, me chama a atenção é que estamos falando de um período que antecede a abolição da escravatura no Brasil.

Desde o final do século XVII, já havia registros de ocupação nas terras onde hoje é o município de Montes Claros. Ao longo do século XVIII, a região acompanhou o ciclo da atividade mineradora, da prosperidade econômica com o abastecimento das localidades mineradoras ao declínio. Um expoente crescimento econômico ressurge no século XIV a partir da pecuária, da cana-de-açúcar, do algodão e de outros cultivos e processamentos na agricultura. Para o pesquisador Tarcísio Rodrigues Botelho, autor do artigo “Batismo e compadrio de escravos: Montes Claros (MG), século XIX”, “este perfil econômico garantirá a manutenção da instituição escravista local até os seus momentos finais”, em 1888.

Nesse contexto, na maior cidade do Norte de Minas – como não poderia ser diferente em um país que legalizou e institucionalizou a escravidão –, muitas pessoas lucraram com a escravização de outros seres humanos. Segundo esse mesmo pesquisador, havia em Montes Claros, entre os anos de 1833 e 1835, 499 negros escravizados, enquanto os demais habitantes da região somavam 2.581. Botelho ainda afirma que nos anos de 1872 e 1876 haviam, respectivamente, em Montes Claros, 1.143 e 1.280 negros escravizados.

A estudiosa Vera Alice Cardoso Silva, no artigo “Da batéia à enxada: Aspectos do sistema servil e da economia mineira em perspectiva, 1800-1870”, apresenta números bem mais elevados. O total de escravizados em Montes Claros, segundo a autora, no ano de 1854 era de 1.143 e no ano de 1876, de 4.097. Falta exatidão nos números e, com certeza, faltam mais páginas nessa história. A verdade é que Montes Claros não conhece o seu passado escravista. E pouco do que se sabe fica reservado ao universo acadêmico.

Pergunto-me: quais foram os negros que se destacaram na luta pela abolição em Montes Claros e no Norte de Minas? Quais obras da cidade foram construídas por mãos negras escravizadas? Quantas histórias a escravidão em Montes Claros ainda esconde? Só teremos respostas se não tivermos medo de olhar para o nosso passado. É lá, nos anos de 1700 e 1800 que está a explicação para o racismo estrutural que se nota, atualmente, em Montes Claros. Se não soubermos onde estão os negros no processo de formação de Montes Claros tampouco saberemos onde eles devem estar para a reorganização de uma Montes Claros que preze pela justiça, igualdade, equidade, inclusão, diversidade e humanidade.

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