
Desde ontem meu tio Tavinho quer porque quer que os jogos de futebol voltem a acontecer. É da turma que acha um absurdo que jogadores em plena forma física, todos eles jovens, deixem se levar por uma gripe à toa.
Não adiantou explicar que qualquer gotícula expelida numa dividida pode tirar um jogador importante de várias partidas. Para ele, a solução seria muito fácil: todos jogarem de máscaras. Seria até parte do uniforme do time, sugere meu tio.
Sempre pensando no lado financeiro, Tavinho vislumbrou na máscara a possibilidade de pôr a marca de patrocinadores. Indaguei sobre a comunicação entre os jogadores ou com o árbitro e meu tio foi taxativo: quem deve falar é o capitão, a voz do clube em campo.
Mas lembrei que não é o caso de proteger apenas a boca e o nariz. Como fazer então para pegar a bola – sabe-se lá quem a pegou antes? Se um gandula infectado propositadamente passar a mão para atrapalhar um time adversário?
“Em primeiro lugar, não precisamos de gandulas. São garotos pobres que deveriam estar trabalhando para não travar o país”, assinalou, já em tom exaltado. Como se vê, meu tio não é muito fã de pobres.
“Em segundo lugar”, continuou, “a bola pode ter um ingrediente anticoronaviriano”. E o que seria isso, já que não há, até agora, cura para a doença? Mas aí ele lembrou do hidroxicloroquina, que poderia ser besuntado na pelota.
Também deu a ideia de envolver a bola com um plástico, que seria trocado cada vez que alguém pegasse nela. E como faria na cobrança de lateral, quando o jogador arremessar para um jogador e a bola acertar o rosto deste? Tio ficou calado.
Me preocupei ainda com a questão do público. Os torcedores teriam que ser obrigados a usar máscaras? Poderiam comer o tropeiro na porta do Independência? Como seria o manuseio de dinheiro e ingressos? “Só entraria o pessoal do Galo na Veia. E com máscara”, afirmou.
E os colegas da imprensa? Onde ficariam, já que o espaço é bem apertado na tribuna do estádio do Horto? Irado, Tavinho respondeu que os problemas do futebol brasileiro têm a mídia como grande responsável.
Para ele, não precisaríamos da cobertura da imprensa. O que estranhei, porque Tavinho, nos últimos dez anos, não foi a nenhum jogo do Galo, preferindo acompanhar pelas transmissões de rádio ou TV.
Por mais que tentasse dialogar com ele, não tinha jeito. Mesmo lembrando que os jogadores foram liberados para a quarentena e que precisariam fazer uma nova pré-temporada antes de a bola voltar a rolar.
Por fim, viu no coronavírus a oportunidade de eliminar alguns jogadores que não estão produzindo muito mais, citando os veteranos Ricardo Oliveira e Victor. “Bola para frente!”, encerrou, esquecendo-se que ele mesmo já não tem físico de atleta.