Aqui é Galo!Paulo Henrique Silva é jornalista do caderno Almanaque e escreve sobre o Atlético

Vargas, a espora mortal do Galo

05/11/2021 às 14:37.
Atualizado em 05/12/2021 às 06:11
 (PEDRO SOUZA/DIVULGAÇÃO)

(PEDRO SOUZA/DIVULGAÇÃO)

PEDRO SOUZA/DIVULGAÇÃO / N/A

 Os olhos de 56 mil pessoas se voltaram para ele aos 30 minutos do segundo tempo. Qualquer outro destino que não fosse a bola no fundo da rede poderia se tornar uma tragédia, uma pulga atrás da orelha do torcedor já cansado de, na reta final, ver o Atlético perder a força e o campeonato. Mesmo Hulk, nosso super-herói, não estava na melhor das noites. Restava confiar na pontaria de Vargas, cujo nome, descubro agora, é sinônimo de espora. 

Espora é a grande arma do galo, o animal, e, na vitória sobre o Grêmio, revelou-se também mortal para o time dar um passo significativo para a conquista da taça do Campeonato Brasileiro de 2021. Em meus tempos de jornalismo policial, lembro-me de chegar a notícia de um dono de galo de rinha que morreu, pasmem, após um feroz ataque de seu "lutador". O esporão ficou tão afiado quanto uma lâmina, cortando a artéria de seu patrocinador.

Se perdesse o gol e o Galo morresse na praia ou numa rinha qualquer, Vargas seria praguejado por gerações, impedido de colocar novamente os pés em Vespasiano e condenado a ficar milhas de distância de um atleticano. Mas ele botou a bola lá no cantinho, prendendo a nossa respiração ao passar alguns centímetros das mãos de Gabriel Chapecó. É o "Iceman" do Atlético, que não titubeou frente ao peso de quase 50 anos de jejum de nosso maior desejo.

A frieza na hora H é o que diferencia Vargas. Um time para ser campeão precisa de jogadores assim. Em 2013, ela estava presente em Ronaldinho Gaúcho, o bruxo, capaz de fingir, durante o jogo contra o São Paulo, pela primeira fase da Liberta, que só queria beber um pouco de água perto do gol de Rogério Ceni. Sabia que, a bola vinda de uma cobrança de lateral, poderia estar na banheira. E foi assim que Marcos Rocha lançou e R10 só ajeitou para Jô completar.

E não é só futebol que a frieza se destaca. Basta lembrar do Cinema Novo, um dos principais movimentos culturais do Brasil, responsável por exportar nosso cinema para o mundo na década de 60. Ao lado de Glauber Rocha, uma tempestade de emoções em forma de gente, estava Leon Hirszman, de outros tantos filmes memoráveis, como “São Bernardo” e “Eles Não Usam Black-Tie”, considerado a cabeça fria daquele grupo vanguardista.

O que não quer dizer que são privados de qualquer tipo de arrebatamento. No jogo contra o Cuiabá, a minha filha Julia, me flagrou comemorando timidamente o segundo gol do Galo. Na verdade, enquanto os torcedores pulavam e lançavam cerveja para todos os lados (como meu filho Breno), eu me encantava com toda a festa, não querendo perder nenhum detalhe. É o tipo de imagem que só quem está no estádio pode acompanhar.

A câmera geralmente mostra a vibração de quem marcou o gol. Eu já busco as reações do banco e do time que sofreu o baque. Esta última só não mais triste quando o time da casa é que vai buscar a bola no fundo da rede. Jamais me esquecerei do gol da classificação do Palmeiras, nas semifinais da Libertadores. Um silêncio aterrador tomou o estádio. Acostumado com o som da TV, minha sensação era que havia algo errado, como uma realidade paralela.

Só espero que o Atlético não encontre, agora, uma montanha de gelo a bloquear a caminhada ao título. Nessa brincadeira, o alvinegro tem que ficar mais perto do “quente” do que do “frio”. A taça está ali, visível e resplandescente. Só não irá para a salinha de troféus da Olegário Maciel se uma cegueira absurda tomar conta de todos os jogadores, como no livro “Ensaio para Cegueira”, de José Saramago. História de ficção. A do Galão é cada vez mais real.

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