EducaçãoLéo Miranda. Do \“Mundo Geográfico\” - YouTube Marcelo Batista. Do \“Aprendi com o Papai\” - YouTube

A educação e o presentismo forçado

Publicado em 08/07/2020 às 22:23.Atualizado em 27/10/2021 às 03:58.

Marcelo Batista (*)
mbatista@hojeemdia.com.br

 

A pandemia muda tudo e disso nós já sabemos. Perdemos a nossa percepção temporal, os dias parecem todos iguais e frequentemente paramos para refletir olhando o calendário e sem entender como o tempo passou tão rápido e a situação já avançou tanto em nosso país. Lembro do termo “presentismo forçado”, da antropóloga Jane Guyer, que explica que a nossa relação temporal agora é muito complexa, pois temos o sentimento de prisão no presente, com a incapacidade de planejar o futuro devido à pandemia.

Apesar dessa “prisão” em dias sempre iguais, consigo ver algumas diferenças na minha rotina. Uma mudança que percebi em mim é a frequência maior que eu tenho sonhado. Sonho sempre, todas as noites, com um mesmo contexto: o de sala de aula. Mas sempre encontro algum problema para conseguir ter sucesso na atividade. Fico preso no trânsito e não consigo chegar a tempo, ou, quando chego, estou em uma turma e não sei qual é a matéria que vou dar. Isso quando, no sonho, não me esqueço de que eu tinha que dar uma aula e acabei faltando. Os analistas profissionais de sonhos diriam que eu estou morrendo de saudade da minha rotina e que esse contexto de diversas frustrações sucessivas durante a noite tem a ver com isso. E eles estão certíssimos, é claro. 

Fico pensando diariamente como e quando será a volta. Pensar que voltaremos em agosto me parece otimista demais. Os números continuam preocupantes, muitas instituições não estão preparadas e imagino que muitos alunos, professores e pais não estão tão prontos assim para esse retorno. Penso na volta com um cenário muito diferente em sala de aula: alunos mascarados, distantes, evitando contato. Um professor que fala com cuidado, com medo das partículas de que ouviu falar no noticiário, de ser assintomático e de contaminar os alunos. O álcool em gel na entrada, na saída, na porta, no tablado, na carteira, em todos os locais. A distância de todos os lados, por uma questão de segurança, claro. Como vai ser chegar e não receber o abraço dos alunos mais carinhosos, sem poder chegar perto de um aluno para tirar uma dúvida? Mas isso é o de menos.

E os profissionais das escolas públicas? Muitos sem material didático adequado, sem respeito, sem condições básicas de trabalho. O que vai nos convencer de que esse ambiente hostil de muitas escolas vai ter todas as proteções necessárias aos alunos e à comunidade escolar? Há a expectativa que tenha que ocorrer um revezamento entre os alunos para evitar a sala muito cheia. Enquanto uns estão em sala, outros acompanham na internet. Como fazer isso na escola pública, levando em conta que muitos ainda sofrem com a exclusão digital?

Enquanto o sonho não vira pesadelo para alguns, o que nos resta é esperar o tempo passar, assim como as mortes e as injustiças sociais. Mais ainda, o próximo passo é ter a coragem de sair do “presentismo” e encarar um futuro ainda mais incerto e inédito, se é que isso é possível.

(*) Marcelo Batista é educador há mais de 15 anos e fundador do canal Aprendi com o Papai, no Youtube.

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