Marcelo Batista*
“Consegui uma oportunidade em uma escola estadual. Vai ser em um colégio de periferia e vou ter uma chance excelente para mostrar muita coisa para os alunos.” Assim começava a fala de um amigo, animadíssimo pela chance de conseguir algumas aulas em uma escola da rede pública. Ainda éramos muito novos, ambos por volta dos 20 anos de idade. Éramos muito jovens e idealistas e tínhamos uma grande vontade de usar a educação como uma maneira de mudar a sociedade.
No dia seguinte ao início dos trabalhos na escola, meu amigo estava sério, fechado e retraído. Nosso encontro era diário em uma escola da rede particular, onde éramos estagiários. Depois de muita insistência, ele resolveu conversar sobre a situação. Contou que chegou na escola e encontrou apenas duas bolas disponíveis e só uma quadra, com o piso irregular e sem as marcações para a prática esportiva, mas com um gol e uma tabela de basquete. Já poderia ser um grande oportunidade para colocar em prática muito do aprendizado da faculdade de educação física…
Entre as bolas disponíveis, escolheu a de basquete e deixou a de futebol para depois. Tinha uma atividade muito bacana para trabalhar com o esporte escolhido. Chegou com a bola na quadra, mas os alunos protestaram. Queriam jogar futebol. Ele insistiu, discutiu, argumentou que o basquete seria o ideal. Os alunos, com caras de poucos amigos, insistiram pelo futebol, enquanto ele, teimoso, insistiu com a defesa pelo outro esporte. Um tiro. Foi a última coisa que ele escutou antes de mudar rapidamente de opinião: o melhor para aquele dia de trabalho, seu primeiro e último naquela escola, seria o futebol.
O fato estava claro: diante da discussão sobre qual esporte seria praticado naquele dia, um aluno argumentou de uma forma inapelável atirando na bola de basquete. Na hora, não teve coragem de olhar para trás para ver quem era o responsável pelo disparo. Isso já não importava mais. Naquele dia, eles tiveram futebol. Nos demais, um professor a menos e somente uma bola.
E pensar que mesmo com todos os problemas essa situação não era a pior existente no nosso país. Ainda temos escolas que não oferecem práticas esportivas, instituições que não têm o local apropriado para os esportes ou nem mesmo professores que se sintam seguros ou que tenham uma remuneração digna para trabalhar.
Por isso tudo, não consigo torcer pelo Brasil nas Olimpíadas. Não dá pra torcer para o sucesso de um país que se esforça tanto para alcançar o fracasso. Mesmo assim, algumas medalhas estão chegando, assim como o reconhecimento sazonal em algumas modalidades. Mas imagina se fosse diferente? Se o skate não fosse considerado esporte de vagabundo, se tivéssemos acesso à ginástica para os alunos de escolas de periferia, se os estudantes pudessem ter acesso amplo a esportes individuais ou em dupla, como o tênis? Aí, sim, seria muito melhor e daria muito orgulho torcer pelo nosso país.
*Professor