EducaçãoLéo Miranda. Do \“Mundo Geográfico\” - YouTube Marcelo Batista. Do \“Aprendi com o Papai\” - YouTube

No país de Madalenas, é tudo pra ontem

23/12/2020 às 23:01.
Atualizado em 27/10/2021 às 05:23

Marcelo Batista (*)

mbatista@hojeemdia.com.br

O caso foi apresentado no “Fantástico" do último domingo. Uma menina de apenas 8 anos foi pedir ajuda para uma família e acabou "adotada" por ela. Foi obrigada a sair da escola e colocada para trabalhar de maneira análoga à escravidão. Depois de mais de 20 anos, foi repassada para o filho da dona da casa para continuar desempenhando o mesmo tipo de trabalho, sem direito a receber uma pensão a que tinha direito e com restrição até de produtos básicos de higiene. Depois de 38 anos nessas condições, Madalena Gordiano, mulher negra, foi libertada no fim de novembro.

Por incrível que pareça, a história contada está longe de ser a única desse tipo no Brasil. Desde 1995, 55 mil pessoas foram resgatadas do trabalho análogo à escravidão de acordo com o Portal de Inspeção do trabalho, do Governo Federal. Essa situação é reflexo das desigualdades sociais no nosso país e de um contexto de exploração que remete historicamente a um processo de escravidão que mancha a história brasileira há muitos séculos. Um dos fatores que mais impressionam no episódio de Madalena é o fato de que ela foi explorada na mesma família por professores - profissão das duas gerações de “proprietários" da mulher, que a obrigaram a abandonar a sala de aula. É quase a criação do vírus por quem produz a própria vacina. É a crueldade de uma realidade opressora, que poderia ser modificada pela educação.

Por falar em vírus, não podemos esquecer de discutir sobre a questão da pandemia na sociedade brasileira. O auxílio emergencial que talvez sirva hoje como a possibilidade de evitar um aumento ainda maior da situação análoga à escravidão acaba neste mês e muitos que não terão o que comer se colocarão novamente em risco, o que é um grande desafio. Para piorar, as políticas educacionais têm sido um fracasso durante a pandemia e escolas se preparam para reabrir mesmo com o aumento absurdo na quantidade de casos de Covid no Brasil. Estudantes que passaram o ano inteiro de 2020 sem aulas agora tendem a se aglomerar nas instituições públicas para buscar fazer 2 anos em 1 e tentar “salvar" o ano letivo. As questões relativas à desigualdade social e ao racismo no Brasil são muito mais antigas do que parecem precisam de fato ser modificadas. 

O belíssimo documentário “AmarElo: é tudo pra ontem” do rapper brasileiro Emicida é um respiro para a reflexão sobre a necessidade de empoderamento dos grupos marginalizados no Brasil. Ele mostra a importância do rap e da cultura de periferia para ir contra o país que ainda naturaliza o trabalho análogo à escravidão e explora pessoas pobres e negras como Madalena. É preciso fazer como Exu: jogar uma pedra hoje para acertar o ontem e acabar com esse passado escravocrata terrível. O texto de hoje seria para falar sobre o natal e trazer esperança, mas o caso de exploração descortinado no fim de semana demonstra que não dá pra ser otimista em um país onde o presente ainda é tão influenciado por um passado que resiste em ir embora.

(*) Marcelo Batista é educador há mais de 15 anos e fundador do canal Aprendi com o Papai, no Youtube.

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