EducaçãoLéo Miranda. Do \“Mundo Geográfico\” - YouTube Marcelo Batista. Do \“Aprendi com o Papai\” - YouTube

O incrível encontro das borboletas

Publicado em 27/04/2021 às 19:19.Atualizado em 05/12/2021 às 04:47.

Marcelo Batista

O corpo reage a tudo. Quando há o sentimento de perigo, temos uma transferência repentina do sangue que estaria encarregado pela nossa digestão, no estômago, para os músculos, para que o nosso corpo esteja preparado para lutar. Isso ocorre com o homem desde a pré-história, quando a preocupação central não estava em dar uma aula ou ter preocupações meramente intelectuais e sofremos com essa sensação física até hoje. Devido a essa reação do corpo humano, sempre que inicio as aulas em uma nova turma meu corpo entende que eu vou lutar e tenho o friozinho na barriga e a sensação de borboletas no estômago. E confesso: não é só na primeira aula que dou para uma turma nova. Às vezes na segunda, na terceira, na quarta ou na quinta aula ou até o coração acalmar. É o corpo que se prepara para ser atacado por 40, 50 ou mais de 100 alunos de uma vez, todos eles prontos aprender, amar, exigir e julgar.

Sofro disso há mais de 15 anos, quando entrei na sala de aula pela primeira vez. Mas já foi pior. Por muitos anos já fui acometido por crises de suor, coração disparado, falta de ar. Em outras épocas ficava agitado, falava muito alto, gesticulava em excesso. E hoje é o frio na barriga e um pouquinho de ansiedade no dia anterior, no dia seguinte, na hora. Doido para a aula anterior voltar e para a aula atual passar, vou arrancando páginas e mais páginas do calendário, numa mistura de prazer e ansiedade que já faz parte da rotina de quem passa pelas maiores emoções mesmo sem sair de casa. Pode ser excesso de ansiedade, pode ser excesso de vontade ou até mesmo excesso de desespero, tudo junto, mas que não é só meu.

De uns tempos para cá, percebo que muitos alunos estão com um perfil muito parecido com o meu. Alguns não deixam a frase acabar para fazer a pergunta, outros querem saber no primeiro dia de aula se o conteúdo do ano será dado a tempo, outros querem fazer a redação antes mesmo que o tema seja trabalhado. Há vários fatores envolvidos nesse processo, é claro: pandemia, excesso de exigência, vestibular, distanciamento social e as múltiplas incertezas que nos assolam o tempo inteiro. As aulas presenciais vão voltar? Quando? Os vestibulares acontecerão normalmente?

E num passe de mágica tudo acontece. Os exigentes e os exigidos se encontram em uma sala de aula, mesmo que virtual, e tudo se encaixa, a aula flui, o conteúdo é transmitido e entre uma interrupção e outra os afobados vão construindo esse caminho tortuoso em 2021, com bastante ansiedade e muito frio na barriga. Talvez o que eu sinto seja influência do meu parceiro Ângelo Bagni, professor de biologia e especialista em borboletas. Talvez seja só uma vontade de viver uma nova aventura todos os dias. Mas sem o frio na barriga não dá para ficar. Se acabar a emoção, se acabar a preocupação, se acabar o desejo, aí dá para aposentar, ou para morrer, o que hoje daria quase no mesmo.

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