EducaçãoLéo Miranda. Do \“Mundo Geográfico\” - YouTube Marcelo Batista. Do \“Aprendi com o Papai\” - YouTube

​Sobre a linguagem, a opressão e o silêncio

Publicado em 03/02/2022 às 06:00.

Marcelo Batista

"O que é um pontinho preto no milharal? Emílio Santiago". Durante a minha infância esse tipo de piada era comum e refletia a naturalização do preconceito, anteriormente externada por meio de uma linguagem mais escrachada no humor.  Algumas décadas depois, muitos termos politicamente incorretos são ainda relativamente comuns, principalmente entre comediantes da nova geração, que defendem que qualquer tipo de modalização linguística é reflexo da “geração mimimi” do século XXI, que se incomodaria por muito pouco.

Até que ponto a linguagem deve ser utilizada, de fato, para agradar o grupo opressor, que, em nome de uma piada, poderia falar tudo? Possivelmente os mesmos defensores dessa suposta liberdade lexical são os que esbravejam que o bullying deveria ser considerado "frescura" ou o sentimento do oprimido deve ser calado diante de uma situação de humilhação.

Nessa tentativa de buscar o humor até mesmo em situações sem o mínimo de graça, a Rede Globo errou a dose ao exibir, no BBB 22, uma situação de claro sofrimento de uma das participantes. Na semana passada, após um beijo entre Eslovênia e Lucas - ambos brancos, Natália - outra participante do programa, negra e renegada pelo brother - chorou e quebrou objetos dentro da casa, como uma clara reação ao fato de ser preterida pelo participante.

Essa situação, tratada de maneira “divertida" pela emissora, reflete claramente a solidão das mulheres negras, que muitas vezes são usadas ou até negligenciadas em um relacionamento afetivo. Mas se engana quem imagina que essa situação é reforçada somente na vida adulta. Djamila Ribeiro, importante filósofa brasileira, trata sobre essa lacuna afetiva, que na visão dela começa ainda no ambiente escolar, quando meninas negras muitas vezes se sentem sozinhas. Mesmo assim, o assunto não é discutido nas instituições de ensino.

Da mesma maneira que a questão do racismo pode ser tratada a partir do BBB 22, a gordofobia ganhou espaço nesta edição. Um dos participantes do programa, o ator e cantor Thiago Abravanel comentou sobre os estigmas associados aos indivíduos obesos e a visão comum de eles seriam, por exemplo, desleixados em relação à saúde.

Durante a minha infância sofri com os mais diversos preconceitos e brincadeiras devido ao meu peso. Lembro que na minha escola, durante o ensino fundamental, uma vez por ano era feita uma pesagem e medição dos alunos e o resultado era dito oralmente pelo professor. Era um dia que propositalmente faltava à aula de educação física, para não me tornar alvo da piada dos colegas.

Seria fundamental que o espaço dos indivíduos que pertencem aos grupos minoritários fosse repensado, junto de uma modificação linguística para que alguns termos e atitudes soem menos ofensivos. A banalização do preconceito e a tentativa de gerar humor a partir  do oprimido é algo extremamente comum, e por isso deve ser revisto desde a carteira das escolas, onde muitas vezes essa inferiorização acaba se solidificando.

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