Marcelo Batista (*)
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Depois de muita polêmica, adiamento, tentativa de impedimento judicial e muito receio por parte dos estudantes, no último domingo, dia 17, ocorreu a primeira prova para o Enem 2020, com recorde de abstenção entre todas as edições: 51,5% dos candidatos ausentes. Antes da prova do último fim de semana, a maior abstenção havia sido na edição de 2009, ano em que a prova foi roubada na gráfica e também exigiu adiamento, com 37,7% de candidatos faltantes. Esses números provam que muitos alunos acabaram desistindo do Enem ao longo do ano, devido aos múltiplos desafios educacionais do ano de 2020. Sem dúvida, a edição que está em curso é a mais desigual da história do exame, visto que continuar os estudos e poder participar de uma prova tão importante durante a pandemia se tornou um grande privilégio.
O ano de 2020 definitivamente não foi fácil para os estudantes, principalmente de escolas públicas. Após encarar a pandemia, ver a prova ser adiada e acompanhar a briga judicial sobre a realização da prova, o aluno que foi fazer o Enem no último domingo já passou por um grande teste de resistência e de saúde mental. Após passar por um ano tão difícil, quem conseguiu fazer a prova já pode se considerar um grande vitorioso, pelo menos no aspecto acadêmico e emocional.
Por falar em saúde mental, o tema da redação, ironicamente, foi “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira”. O debate certamente é extremamente adequado, visto que todos nós nunca pensamos tanto nesse assunto. Massacrados pela pandemia e pelo sucateamento do sistema de saúde, muitos cidadãos sofrem ainda com os preconceitos e com a visão estereotipada do indivíduo que tem algum tipo de doença mental. Nada mais relevante que fazer com que os estudantes reflitam sobre algo de tamanha importância na sociedade brasileira.
Assim como todo o processo ao longo do ano de 2020 reforça as desigualdades sociais e educacionais, o tema de redação também se encarrega de prejudicar os desfavorecidos. Muitos alunos tiveram dificuldade de fazer a redação por não conhecerem a palavra “estigma”, que estava no enunciado da prova. Mesmo que houvesse um texto motivador que discutisse sobre o termo, muitos alunos ainda ficaram inseguros sobre o termo e acabaram não tratando sobre ele na próprio texto, o que possivelmente gerará problemas diversos na avaliação desses estudantes.
É irônico pensar também que o Inep, com o aval do Ministério da Educação, tocou em um tema tão polêmico para o Governo Federal. Para quem não se lembra, no mês passado o Ministério da Saúde apresentou a pretensão de revogar cerca de cem portarias sobre saúde mental, editadas entre 1991 e 2014, fazendo com que vários programas disponibilizados pelo SUS ficassem ameaçados. Diante desse quadro fica fácil escrever sobre saúde mental. Ela está na mesma categoria de vários outros sonhos dos brasileiros, como educação, moradia, segurança: algo que desejamos muito, mas só alguns conseguem ter.
(*) Marcelo Batista é educador há mais de 15 anos e fundador do canal Aprendi com o Papai, no Youtube.