Ao meu pai

05/12/2021 às 10:26.
Atualizado em 08/12/2021 às 01:13
 (PEDRO SOUZA/ATLÉTICO/DIVULGAÇÃO)

(PEDRO SOUZA/ATLÉTICO/DIVULGAÇÃO)

PEDRO SOUZA/ATLÉTICO/DIVULGAÇÃO / N/A

Minutos após o final da virada espetacular sobre o Bahia que garantiu o título de bicampeão brasileiro, chega a mensagem de meu filho Breno dizendo que “foi ele!” o responsável pelos três gols em apenas cinco minutos.

Ele não falava de nenhum jogador em particular ou mesmo de Cuca, que mostrou o timing exato – e muito de sorte – para sacar Nacho Fernandez e Vargas e promover as entradas de Sasha e Nathan, determinantes nos lances da vitória.

Era o meu pai. Ou melhor, “o meu avô”.

Quando o Atlético perdia por 2 a 0, Breno pediu a intervenção de Seu Hamilton lá do céu. Atleticano com um jeito muito diferente de torcer, sempre dizendo que o time podia melhorar, mas atleticano acima de tudo, papai nos deixou em fevereiro sem poder ver a conquista que ele tanto esperava.

Em seu tempo, após 91 anos bem vividos, viu jogos no campo onde hoje está instalado o Diamond Mall, conferiu in loco a Copa do Mundo de 1950, no Independência, foi um frequentador assíduo do Mineiro, onde teve a oportunidade de acompanhar a vitória do Galo sobre a Seleção Brasileira.

E, claro, sentiu o doce gosto do título de 1971, o primeiro campeão brasileiro.

Ele vibrou, como todos nós, pelo título da Libertadores – lembro que eu estava viagem naquele jogo contra o Tijuana, num refúgio ecológico no interior mineiro, e, sem rádio ou TV, apenas com as atualizações da partida no celular, quando meu pai virou o “narrador” do outro lado da linha, descrevendo a sensacional defesa de Victor.

Mas era o Brasileiro que ele tanto queria ver novamente nas mãos do Atlético, fazendo parte de uma (duas, aliás) geração que esperou pelo sonhando momento. Por diversas vezes, chegou-se muito perto, com times brilhantes, mas tropeçou nas injustiças, sejam aquelas representadas pelos sortilégios do destino ou as fabricadas maquiavelicamente pelos donos do futebol.

Criou, como todos nós (e todos os atleticanos que irão nascer nos próximos 200 anos) um ranço do Flamengo, grande beneficiado pelas regras alteradas no curso dos campeonatos e por árbitros que não pensaram duas vezes em tirar os nossos craques de campo.

Agora que, finalmente, essa maldição se quebra, papai não pôde esperar. Bastavam apenas onze meses e um punhado de dias... Mas talvez tivesse essa missão espiritual a cumprir, mexendo os pauzinhos lá de cima.

“Foi meu vô! FOI ELE! Eu pedi para ele. Em cinco minutos, a gente virou”, escreveu o Breno, bastante emocionado.

Confesso que não recorri a ele naquele instante difícil da partida. Se não fosse na quinta, o Galo seria campeão contra o Bragantino ou o Grêmio. Não queria dar mais essa incumbência para o velho, que tantas vezes me auxiliou. Com todos os seus defeitos, me fez gente e atleticano, no sentido que, para amar essa camisa, é preciso sofrer, chorar, chorar bastante.

Quando vi o Breno chorando no descenso para a série B, eu me senti culpado, como o criador de um trauma desnecessário. Ele tinha dez anos apenas.

Hoje, trabalhador, generoso e com uma vida honesta, o vejo indo a todos os jogos incansavelmente, sendo o 12º jogador, rodando a camisa e gritando sem parar. Você também fez sua parte nessa conquista, filho. Como outros milhares de atleticanos mundo afora.

Sinto um orgulho danado ao perceber que, apesar de todos os pesares, continuaremos sempre atleticanos. “Com toda a nossa raça para vencer”.

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