Gestor de Futebol pela CBF Academy e pela Universidade do Futebol, pós-graduado em Direito Desportivo e Negócios no Esporte.

O Galo está mal preparado fisicamente?

Publicado em 09/08/2022 às 06:00.

O futebol é o jogo de maior apelo popular no Brasil. Somado a isto, por ser um jogo essencialmente tático, as pessoas costumam se arriscar em tecer comentários. Todo brasileiro se considera um técnico em potencial e possui na ponta da língua as respostas para os problemas do seu time do coração. Assim que um jogo acaba, todos já apontam aquilo que deve ser feito para o próximo.
Com a ascensão das redes sociais, para além da imprensa tradicional, apareceram os influenciadores digitais que produzem conteúdo sobre futebol. Alguns deles assumem um time e começam também a produzir comentários. Possuem alto impacto e alcance perante a torcida. O problema é que, por vezes, sem perceberem, acabam por disseminar desinformação. 

Na semana passada, após Atlético e Palmeiras no Mineirão, um amigo, que é influenciador digital, me enviou um áudio perguntando se eu concordava que o Galo estava mal fisicamente. Eu respondi que não. Ele postou mesmo assim. Resolvi então ler a opinião dos internautas e logo identifiquei vários com a mesma narrativa, com o acréscimo que tudo isto seria uma herança maldita do técnico Turco Mohamed. Será?

Em 2013, Jorge Jesus, treinador de futebol, durante palestra na Faculdade de Motricidade Humana, disse: “uma equipe só pode estar mal fisicamente, se estiver mal taticamente. Se sua equipe não estiver bem taticamente no jogo e em seus processos, ela correrá mais ou correrá menos? Naturalmente, irá se cansar e se desgastar mais. Quanto melhor taticamente estiver a equipe e melhor os jogadores perceberem o modelo de jogo, menos estarão cansados”. 

Claro que todas as equipes brasileiras, a esta altura da temporada, começam a sentir um maior desgaste pelo excesso de jogos e viagens. A preparação dos times concentra-se muito mais na recuperação. Mas, na toada do que Jesus disse, as equipes melhores taticamente, com menor desgaste, poderão ter vantagens. E é exatamente neste ponto que precisamos analisar o Galo.

Não vou entrar no mérito do trabalho de Turco Mohamed nesta coluna. Até acho que não era um trabalho ruim, mas, se houve alguma herança, ela é tática e não física. Para complementar, com a chegada de um novo treinador, com outras ideias, no início do trabalho este problema pode ser acentuado. Explico!
José Mourinho, técnico português, no mesmo sentido de Jesus, afirmou em 2006: “não acredito em equipes bem ou mal preparadas fisicamente, mas em equipes identificadas ou não com uma determinada matriz de jogo, adaptadas ou não a uma determinada forma de jogar”. Na sequência deste raciocínio podemos resgatar um questionamento de Vítor Frade, criador da Periodização Tática, ainda em 1985: “não seria uma determinada ideia/concepção de jogo que determinaria o equacionar e o levar a cabo de determinadas ‘qualidades físicas’ como necessidade?”

Portanto, fica claro que a equipe do Atlético-MG não está mal preparada fisicamente, mas pode estar, talvez, inadaptada fisicamente. Isto porque, com a modelação de jogo inacabada e apresentando problemas com Turco, somada à mudança abrupta de treinador sem tempo para treinar, ocasionou que a equipe ainda não conseguiu absorver às necessidades energéticas que a nova concepção de jogo exige. 

Por outro lado, o Palmeiras está na terceira temporada com o mesmo treinador. A implementação do modelo de jogo já gerou, com sucesso, uma série de intencionalidades automatizadas nos seus jogadores. Isso faz com que cada um deles pensem parecido durante os momentos de jogo, diminuindo o desgaste cognitivo e, consequentemente, físico. As ideias de jogo de Abel Ferreira já se tornaram um hábito para seus comandados. Se averiguarmos no dicionário, hábito significa “maneira permanente ou frequente de comportar-se”. Se você tem, por exemplo, um hábito de leitura, é natural que se canse menos ao ler um livro extenso do que comparado com outra pessoa. 

Para complementar o raciocínio, atente-se ao que José Mourinho, em 2006, declarou sobre o rendimento do meio-campista Tiago, em sua estreia pelo Chelsea: "Estava bem, mas cansado. Jogamos de forma muito específica e demonstrou ainda uma inadaptação fisiológica ao nosso ritmo. Esteve um mês e meio a treinar com outra equipa, mas isso não significa que tenha vindo mal preparado fisicamente. Apenas chegou inadaptado”.

Fica muito claro que o “X” da questão para o Atlético é a sua adaptação fisiológica. É a dimensão tática que irá condicionar, sempre, as necessidades físicas da equipe. Por fim, fiquemos atentos e vigilantes com narrativas pouco infundadas. Afirmar que uma equipe está mal fisicamente é algo muito superficial e, mais grave ainda, é responsabilizar um profissional desta forma sem conhecimento para tal. Cuidado, influenciadores, pois a opinião de vocês pode colocar pressão injustamente no emprego de uma pessoa.

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