É preciso nomear o genocídio

Luciana Sonck (*)
26/07/2023 às 10:27.
Atualizado em 26/07/2023 às 10:29

Em maio, foi preso em flagrante um suspeito de tentativa de homicídio contra o Cacique Lúcio Tembé no Pará, dois dias depois da liderança Neidinha e a filha Txai Suruí sofrerem uma emboscada com mais de 50 homens na estrada de acesso ao posto da Funai, em Rondônia, na tentativa de coerção contra elas e mais cinco indígenas.

Situações como estas, infelizmente, tornaram-se comuns no Brasil, que é o quarto país que mais mata ativistas ambientais no mundo. Histórias como a de Chico Mendes se somam a grandes lideranças de povos tradicionais, como Zumbi dos Palmares, por defenderem a legitimidade do direito às terras dos seus parentes.

No mundo, 1.733 ativistas foram assassinados na última década, dos quais 68% na América Latina (Global Witness, 2022) - leia-se na Amazônia majoritariamente. Segundo o Front Line Defenders, 50% dos assassinatos de pessoas de direitos humanos, em 2022 na América Latina, foram de ativistas pela defesa da terra e do meio ambiente (Line Defenders, 2023) e, somente em 2020, 182 indígenas foram mortos defendendo seus territórios no Brasil. O que toda essa situação grave evidencia é a enorme incapacidade de proteção e diálogo das instâncias políticas e econômicas com as necessidades das populações vulnerabilizadas.

É necessário destacar que a ausência de uma governança que equilibre os poderes entre as populações vulnerabilizadas – como os povos originários – e seus opressores pode sim implicar no seu genocídio direto. Hoje a responsabilidade sobre essas mortes não recai sobre essas instâncias. Um exemplo é o Marco Temporal votado recentemente, que trabalha contra o direito dessas populações e pune como casos individuais um fato que já não pode ser tratado como tal. Diante de tamanha ausência, um processo coletivo poderia facilmente ser instaurado no Tribunal de Haia, evidenciando um problema que poderia caracterizar-se como um dos genocídios contemporâneos que acompanhamos à olhos nus.

A ausência de espaços de governança com a participação efetiva dos indígenas e representantes de populações tradicionais faz com que o reconhecimento dessas populações como meritórias de direitos não aconteça entre as classes políticas e econômicas, que trabalham de forma a retirar todo o avanço que se queira construir. Isso fica evidente em manobras políticas como a aprovação da MP 1154/2023, que tenta revisar atribuições de ministérios como o Ministério dos Povos Indígenas.

O processo de genocídio é apontado pela própria população afetada, e escancarado, como foi na participação das lideranças indígenas Txai Suruí e seu pai no Roda Viva. 

Trazendo para o conceito, segundo Stanton, existem 8 estágios que podem ser observados em um processo de genocídio, que pode ser evitado até o sexto, com a condição de que toda a sociedade reconheça o que está acontecendo e imponha sua barreira moral e ética, se negando a cumplicisar com o extermínio. No entanto, o que observamos no Brasil é uma população majoritariamente imobilizada, e um processo avançado de extermínio em curso.

Enquanto o assassinato, ameaça e coerção aos ativistas ambientais segue seu pleno curso, organizações e militantes lutam pela construção de projetos políticos que defendam a floresta e suas populações residentes. Impedir o genocídio de ativistas e indígenas deve ser tomado como prioridade para evitar mais mortes. Porém, enquanto essas vozes não estiverem nos espaços decisórios, seguirão ameaçadas e silenciadas impedindo que um reconhecimento de seus direitos venha a nascer neste país.

Mestra em planejamento territorial, especialista em governança e sócia-fundadora e CEO da Tewá 225

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por