O retorno do sorriso

Publicado em 05/05/2022 às 06:00.

Léo Miranda*

Quinta-feira, 28 de abril de 2022, último horário de aula do turno da manhã. Entro na sala, dou bom dia para turma e logo começo a apagar o quadro, quando de repente escuto o grito: pode tirar a máscara, chegou o e-mail agora! Quando me viro vejo a cena quase em câmera lenta: vários alunos tirando a máscara que cobriam os seus rostos, ainda meio confusos, tímidos, mas com um sorriso estampado pela oportunidade finalmente de ver outro e por ele ser visto de uma forma que na escola não era possível desde março de 2020. Em meio à euforia do momento compartilho com todos eles o mesmo sentimento, o de confusão e de um certo receio: será que eu também posso? Se posso, devo? Para tirar a dúvida chamo a disciplinaria, que me diz, mesmo com certa hesitação, que o uso era facultativo também para os professores.

Acabo optando pela prudência, apesar do meu coração estar eufórico como os dos alunos e ansioso por finalmente poder projetar a minha voz sem ser abafado pela máscara e principalmente, falar pela minha expressão facial completa.

No começo da tarde chego a outra escola em que leciono para o próximo turno e assim que entro no corredor principal sou abordado por uma colaboradora do marketing: será que você pode gravar um stories tirando a máscara e sorrindo para o Instagram da escola?

Pronto, era a senha que eu precisava! Apesar do medo inicial, de quem buscou durante os últimos dois anos sempre prezar pelo cuidado principalmente com o outro, estar sem a máscara realmente me fez sorrir, como quem reconhece o valor da ausência da privação.  Ao chegar na sala de aula, os sorrisos também se multiplicavam, uma energia boa que andava em falta nas aulas diante de um retorno tão complexo e difícil após os dois anos passados de pandemia.

O tema da aula era a dinâmica das placas tectônicas, um dos assuntos mais abstratos da geografia, mas ao mesmo tempo um dos mais fascinantes. Começo a aula com a empolgação de quem gosta do assunto, com o bônus de agora poder dividir com meus alunos todo o meu fascínio por meio da minha expressão facial, sem barreiras, sem aquilo que tornaria o movimento convergente entre placas, só mais um tópico da tectônica de placas.

Um aluno levanta a mão e diz: Léo, acho que deu a hora da sua aula. Realmente, eu passei havia passado dez minutos do meu horário, mas nem eu, muito menos os alunos percebemos isso. Quando saía da sala um grupo deles virou para mim e disse: professor, obrigado pela aula e pela empolgação, ela estava estampada no seu rosto! Fazia tempo que eu não me sentia assim, um misto de alegria e satisfação pelo momento, pelos alunos, por saber que mesmo que possivelmente tenhamos que conviver com a Covid-19 nos próximos anos, retirar a máscara restituiu um pouco da esperança que andava em falta e quem sabe será um dos caminhos para também restituir a empatia e alteridade ausentes no nosso país.

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