Rubens de Avelar Freitas*

Falar da comida brasileira é muito mais do que descrever receitas ou ingredientes. É falar de memória, de encontros, de raízes e da forma como um país inteiro se reconhece à mesa. A diversidade da nossa culinária traduz a mistura de povos que ajudaram a formar o Brasil: indígenas, africanos, europeus e, mais tarde, imigrantes de diferentes partes do mundo. Cada prato típico conta uma história, guarda um pedaço da nossa identidade e reforça a ideia de que comer é também um ato de pertencimento.
Desde as primeiras populações indígenas, que já faziam do milho, da mandioca e do peixe a base da alimentação, a comida ganhou contornos de cultura. A feijoada, símbolo tão associado ao Brasil, é fruto da adaptação de ingredientes africanos, portugueses e locais.
O acarajé, vendido nas ruas da Bahia, não é apenas alimento, mas também expressão religiosa, carregada de significado ancestral. Já o churrasco do Sul revela a herança dos tropeiros e gaúchos, reforçando o valor da coletividade em torno do fogo.
O Brasil é, na prática, um mosaico gastronômico. Em Minas Gerais, a mesa farta com queijo, pão de queijo, feijão tropeiro e café passado no coador remete à hospitalidade. Na Amazônia, sabores únicos como o tucupi, o açaí e o jambu revelam a força da floresta e o respeito às tradições indígenas. No Nordeste, o baião de dois e a carne de sol falam de resistência e criatividade diante do clima árido. E no litoral, a moqueca, seja capixaba ou baiana, mostra como o mar influencia a vida e o paladar das comunidades.
Nos últimos anos, a gastronomia brasileira tem ganhado mais destaque internacional. Chefs renomados e projetos comunitários têm mostrado ao mundo a riqueza da nossa comida, que vai muito além dos estereótipos. Mas, ao mesmo tempo, ela continua simples, acessível e presente no cotidiano, seja em uma feira de bairro, em uma festa junina ou no prato feito do boteco da esquina.
A comida é, portanto, um elo entre passado e presente. É identidade, memória e celebração. Representa a pluralidade de um país que, apesar das diferenças regionais, se reconhece no prazer de sentar-se à mesa. O Brasil pode ser visto por muitos ângulos, mas é pelo sabor que ele se torna inesquecível.
* Gastrólogo e professor especialista em gastronomia e estudos da culinária