Entre o fogo e a alma: a essência da culinária mineira

Publicado em 18/07/2025 às 06:00.

Rubens de Avelar Freitas*


“Minas são muitas. Porém poucos são aqueles que conhecem as mil faces das Gerais.” A frase de Guimarães Rosa revela, de forma poética, a diversidade da extensão das terras mineiras. Essa riqueza também se reflete na culinária do povo mineiro. Com uma comida simples e ao mesmo tempo profunda, como a paisagem de suas montanhas e o silêncio de seus vales.

Nas cozinhas de Minas, o tempo corre em outro ritmo. Nada de preparos apressados, o fogão a lenha esquenta lentamente e a panela de ferro carrega memórias junto com os sabores. O preparo é artesanal, transmitido de gerações em gerações, num saber que não está escrito, e sim vivido. Como canta o Clube da Esquina, “as veredas, os montes, os campos, os rios” não são apenas o cenário: são parte da alma que tempera cada prato.

Entre os tachos de cobre, as colheres de pau e mãos calejadas, surgem iguarias que encantam: feijão tropeiro, frango com quiabo, leitão à pururuca, angu, couve rasgada fininha entre outras delícias. E tudo isso sempre acompanhado de um bom queijo minas, feito com paciência e cuidado — aquele mesmo que a vida exige. Não foi à toa que Carlos Drummond de Andrade, mineiro de Itabira, escreveu: 

"Minas não tem mar, mas tem fartura. Não tem pressa, mas tem tempo. E o tempo, quando é bom, tem gosto de casa."

Os doces também têm lugar na cozinha de Minas: doce de leite, goiabada cascão, arroz-doce,compota de laranja são mais do que sobremesas, são gestos de carinho servidos em pratinhos esmaltados, com cheiro de infância e café passado na hora. 

A cozinha mineira nasce do encontro do saber indígena, com os ingredientes africanos, as mãos habilidosas das negras africanas cruelmente escravizadas e as técnicas da culinária portuguesa. Formando um mosaico afetivo de práticas de subsistência e resistência, transformado escassez em criatividade, ingredientes simples em riquezas inesquecíveis.

O mais impressionante não é o prato em si, e sim o que ele representa. Comer em Minas é um ato coletivo, íntimo, quase sagrado. É reunir a família, prosear com vizinho, fazer da refeição um momento de aconchego.

A culinária mineira é muito mais que um regionalismo, é uma filosofia de vida: acolhedora, afetiva, generosa. Ela ensina que cozinhar é cuidar, lembrar, resistir e acima de tudo é celebrar. Porque, em Minas, até o silêncio tem sabor.

*Gastrólogo e professor

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